Volto à Abertura depois de um longo afastamento. Estive doente. Pensei em jamais escrever de novo. Mas de repente ouvi um pedido sinceramente interessado: “Ulisses, queremos entender como pensa um bolsonarista”. Eu, um empedernido seguidor do Presidente, senti-me tentado a explicar. E acabei não resistindo. Quando me dei conta, já escrevia estas linhas revelando meu coração completamente devoto à nossa causa.
As pessoas supõem que os bolsonaristas somos ignorantes. Acham que não sabemos do passado obscuro de Jair. Que não conhecemos os esquemas com as milícias e as impudicícias com o centrão. E que acreditamos nas estórias sobre o complô comunista pra dominar o mundo ou sobre a alta nos combustíveis ser culpa dos Governadores ou sobre a terra ser plana.
Não, não ignoramos as obscuridades do passado e nem acreditamos nas estórias do presente. Nossa devoção deve-se a um motivo que ultrapassa essas feridas epidérmicas e desce à medula do mito. Um motivo profundo, espiritual, pio. Amamos Bolsonaro porque ele nos traz um futuro – um futuro em que somos livres!
O que hoje em dia nos restringe a liberdade são os outros. Os diferentes de nós: os vitimizados, os que choramingam por ajuda, os que só fazem mimimi. Esses são os “outros”. Jair nos ensinou a ignorá-los. É simples seu método: basta chamá-los de vagabundos, bandidos, depravados – numa palavra: inimigos. Assim, automaticamente, percebemos que eles têm culpa de não serem como nós. Ou, pelo menos, culpa de não nos seguirem. Gays são espancados? Índios são perseguidos? Negros são humilhados? Miseráveis passam fome? Nunca houve tantas pessoas passando fome no Brasil? Sim, sim, mil vezes sim! Mas e daí? A culpa não é nossa. Provavelmente a culpa é deles mesmos: dos espancados, dia perseguidos, dos humilhados, dos famintos. Eis a lição que Jair nos ensinou.
Essa é uma lição libertadora. Não somos responsáveis pelo destino dos outros. Não temos que garantir seus direitos, sua dignidade, sua sobrevivência. Nossa missão é cuidarmos de nós mesmos. Nós nos tornamos livres ao compreendermos esta verdade dogmática: não temos que redimir os pecados do mundo. Amém.
Essa liberdade nos dá um imenso poder. Nosso bolsonarismo não apenas permite que ignoremos os “outros” – os diferentes de nós. Permite também que os aniquilemos quando não se conformem com sua condição. A arma, a arma: Jair nos assegurou o sagrado direito à arma. Se algum deles ousar arranhar a redoma de vidro de nossa vida modelar, podemos simplesmente dar-lhe um tiro na cara. Eis, amigos, a liberdade plena, extasiante, orgástica.
Alguns dirão que o “outro” é o “próximo” de que falava Cristo, o irmão que temos que amar. Eis o ponto: Jair nos ensinou que o “próximo” é apenas o que vive como nós, o que segue nossa moral, o que tem a nossa fé. Aos outros, reservamos apenas indiferença. E aquelas palavras rotulantes: vagabundos, bandidos, depravados – inimigos. E chumbo.
Só assim é possível o convívio humano. Jair já disse: as minorias têm que se submeter à maioria. Por isso apoiamos a ruptura institucional: a democracia amarra nossas ações, restringe nosso poder, respeita – ainda que em tese – os interesses de todos. Quando pedimos que todo o poder esteja nas mãos de Jair, não desejamos um governo mais eficiente ou menos corrupto: desejamos realizar nossos interesses destruindo toda resistência, passando por cima de todos os que não sejam um de nós. Darwin já profetizou: os inaptos sucumbirão. É a seleção natural. A premissa central de nosso conservadorismo é esta: somos naturalmente divididos, estamos numa eterna luta. Nós contra os outros.
Agora, passada a nossa tentativa de ruptura, há a sensação de que fomos patéticos. O Presidente recuou acovardado. O regime democrático venceu. Mas não: não fomos derrotados. Jair segue sendo a personificação do mais alto valor que adoramos: nosso individualismo, nosso egoísmo, nossa fé em que nosso destino não se confunde com o destino de toda a raça humana.
Jair nos livrou da maldita esperança de que todos podemos ser felizes juntos. A esperança de uma paz universal, de um bem geral, de uma civilização humana consumada. Jair tirou de cima de nossos ombros o pesadíssimo fardo da utopia. Jair profetiza um humanismo mais austero, em que já não existe o mandamento de nos amarmos uns aos outros. Quão imenso é o legado de Jair! Que bênção é gozar desta liberdade apenas nossa!
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