Na última semana houve o julgamento sobre a constitucionalidade dos decretos estaduais que proíbem, em razão da pandemia, a presença de público em cultos religiosos. Talvez em razão do tema, o próprio julgamento por vezes pareceu um culto. A Suprema Corte brasileira, que acabou reconhecendo a validade desses decretos, jamais se pareceu tanto com um templo religioso.
A sustentações dos advogados, em alguns momentos, soaram como verdadeiros sermões. Luiz Gustavo Pereira da Cunha, ao concluir sua fala, invocou o Evangelho: “Para aqueles que hoje votarão pelo fechamento da Casa do Senhor, cito Lucas 23:34: ‘Então ele ergueu os olhos para o céu e disse: ‘Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem’.’ Fecho aspas.”
Walter de Paula Silva relembrou a passagem bíblica sobre a morte dos filhos dos egípcios – segundo o Êxodo, uma punição a estes, que não permitiam aos judeus cultivar publicamente sua religião. Disse o advogado: “Se uma militância houver contra o povo de Deus, a liberdade não virá pelo reconhecimento livre desse direito, mas pelo juízo”. E ameaçou: “Nós lembramos o que aconteceu na Páscoa dos judeus. O juízo veio porque alguns se sentiam de fato superiores ao reconhecimento daquilo que as pessoas tinham no sentido de liberdade.”
Thiago Rafael Vieira sustentou que “a maioria das liturgias e sacramentos cristãos são realizados no templo, sempre foi assim, desde o início da igreja”. A conclusão até parecia ter um fundo histórico, ainda que discutível. Entretanto, apoiava-se na seguinte premissa: “ser cristão consiste em fazer parte do corpo e do sangue de Jesus”.
Também o Advogado-geral da União realizou sua profissão de fé. André Mendonça começou dizendo que não se trataria de um debate sobre “vida ou morte”, mas concluiu que os cristãos estão “sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto”. Litúrgico, pediu no fim a “benção” e a “piedade de Deus”.
Mesmo o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, fez a sua homilia: “É necessário relembrar o lugar da religião num estado democrático de direito, e ter presente que o estado é laico, mas as pessoas não são. A ciência salva vidas, a fé também.”
O Ministro Gilmar Mendes, o primeiro dos juízes a votar, criticou atitudes “farisaicas” que acabam “tomando o nome de Deus para sustentar o direito à morte”. O Presidente da Corte, Ministro Luiz Fux, foi mais contundente: “Nossa missão como juízes constitucionais, além de guardar a constituição, é lutar pela vida e pela esperança. Eu repugno essa invocação graciosa da lição de Jesus.” Fux disse ainda que as afirmações de Jesus foram feitas a pessoas “que se omitem diante dos males”, e completou: “o STF, ao revés, não se omitiu.”
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