Hoje, uma marca é promovida não apenas pela comunicação de suas características e benefícios, mas pela conexão com os consumidores por meio de experiências únicas e interessantes. Assim uma marca pode literalmente enriquecer a vida do cliente.
Eu gostaria de tratar desse assunto usando como exemplo o trabalho do maestro, compositor, diretor de teatro e ensaísta alemão Richard Wagner, nascido em 1813. Quero fazer um paralelo entre suas inovações, que inspiraram esse texto, e a conexão de suas intenções com a experiência do cliente e a construção de marca. Não sou especialista em música clássica ou erudita, mas quero arriscar.
Antes de seguir, no entanto, preciso que você entre no clima. Assista por favor um trecho – alguns minutos – da ópera “O ouro do Reno” (Das Rheingold), e volte aqui para seguir no texto. Link para a ópera: https://www.youtube.com/watch?v=gVUanA7g-Vs&t=295s
Richard Wagner foi um gênio. Com doze anos, ele traduziu os doze volumes da Odisseia para o alemão, a partir do grego antigo. Desde a tenra idade, foi conectado com as artes, por influência da mãe e do pai adotivo. Wagner e sua família sempre conviveram com o teatro e a música. Em seguida, impactado pela sétima sinfonia de Beethoven, o jovem Wagner acelerou os estudos e, aos 19 anos, já tinha composto sonatas para o piano, um quarteto de cordas, uma ária e duas aberturas para orquestra. Nada mal hein? Mas não é disso que trata esse texto e reflexão.
Ao pesquisar sobre a vida de Wagner, e apesar de sua vida conturbada e de alguns textos com inclinações antissemitas, uma coisa positiva salta aos olhos e vale o aprendizado: o modo como ele revolucionou a música erudita, se preocupando com a experiência total do espectador. Ele se recusava a chamar suas obras de óperas. Wagner as denominava “dramas musicais”, idealizando a fusão do teatro e da música dentro da ópera. A obra não era para ser escutada. Era para ser vivida.
Na área de experiência de marketing, Bernd Schmitt, menciona que a experiência é promovida por meio de vários pontos de contato, criando uma conexão sensorial-emocional com os clientes. Pois Richard Wagner estava 200 anos adiantado.
A ópera “O Ouro do Reno”, cujo link foi indicado no início do texto, é uma ópera de duas horas e quarenta minutos, uma inovação de música contínua, sem intervalos, difícil de executar. E tudo com um excelente senso de modulação da energia da ópera, até o seu final. Para os entendidos, Wagner é notável por suas texturas complexas, harmonias ricas e orquestração. Para o espectador, ele sente a narrativa em forma de música.
É possível ficar horas refletindo sobre a “experiência” que Wagner desejava entregar. Ele se preocupava tanto com a narrativa que era tema da música, que desenvolvia ele mesmo a música e o libreto da ópera (libreto é o texto usado para contar a história enquanto a ópera acontece), fornecendo um guia robusto para o espectador acompanhar e se encantar com a experiência.
E seus temas eram escolhidos para fazer sonhar e se identificar. Sua obra foi conectada com narrativas poderosas. Wagner vai beber na fonte da mitologia nórdica, celta e grega, para conceber suas principais composições. O melhor exemplo disso é a tetralogia “O anel do Nibelungo” (Der Ring des Nibelungen), um ciclo de quatro óperas, que dura 15 horas e é geralmente apresentado em 4 dias. Para esta obra, Wagner reproduziu e adaptou as lendas da cultura germânica e nórdica, construindo um espetáculo com impacto na música, na arte e até na cultura pop. Seus textos se tornaram referência de pesquisa sobre a mitologia. Na tetralogia em questão estão presentes personagens atemporais, como por exemplo Odin, Thor e Loki (com uma roupagem diferente daquelas que você vê nos filmes da Marvel, vale ressaltar), e a história gira em torno de um anel que dá poder a seu dono e faz o homem, os deuses e outros seres fantásticos interagirem em torno da busca por poder, transcendência e felicidade. Consegue adivinhar quem também esbarrou nas mesmas lendas e no próprio texto de Wagner ao criar seus livros com anéis, magos e seres míticos?
Mas calma que não acabou. Na busca pela experiência ideal, Richard Wagner sonhava com a construção de um teatro próprio para suas obras. Um lugar que pudesse promover a performance necessária, e que fosse uma meca, para onde as pessoas pudessem peregrinar e assistir as obras com todo o seu potencial. Com apoio de Luis II, rei da Baviera, e após uma espécie de crowdfunding com patrocinadores ricos de todo o mundo – isso em plena década de 1870 – esse teatro foi concebido. Alguns lugares, como Chicago, Londres, e até o Brasil (o imperador Dom Pedro II o conhecia), chegaram a ser cogitados para o teatro, mas uma cidade na Baviera (Bayreuth) foi escolhida para a construção. O lugar tem bonita fachada e foi inaugurado em 1876. Criado exclusivamente para a execução das óperas de Wagner. Isso é que é prezar pela experiência! Quer conhecer o lugar? Veja esse vídeo, com a ópera Os Mestres Cantores de Nuremberg (Die Meistersinger von Nürnberg), naquele teatro: https://www.youtube.com/watch?v=2KRj8GKGocs
As empresas e marcas também desenvolvem lugares para o consumidor viver sua experiência com a marca. Eventos e as flagship stores (lojas conceitos das marcas) promovem contatos únicos e personalizados com a alma da marca, e com uma possibilidade projetar produtos e serviços únicos, que encantam seus fãs.
Até hoje, anualmente, no verão europeu, milhares de pessoas vão a Bayreuth para o festival com as óperas de Wagner, incluindo os quatro dias de “O anel de Nibelungo”. A lista de espera para participar da experiência é de mais de uma década, e seus ingressos são vendidos por pequenas fortunas na internet. Richard Wagner (e agora seus herdeiros) mantém vivos e pujantes, tanto o valor da marca do compositor como sua obra.
Para finalizar, e de novo conectar com a construção de marca, uma das maiores inovações de Wagner na música: o Leitmotiv (o motivo condutor). Wagner desenvolveu assinaturas musicais para seus personagens e assuntos. Essas “trilhas sonoras específicas” se repetiam durante a ópera, sempre que o personagem ou assunto era abordado. Parsifal,, Trisão e Isolda, Sigfried e tantos outros personagens marcam por suas trilhas.
Mais uma vez, Wagner antecipava um movimento que invadiria os negócios e a comunicação. Hoje, o arsenal de um construtor de marca e de um diretor de cinema e telenovelas inclui essas trilhas sonoras e assinaturas musicais. A experiência do espectador é amarrada com a narrativa e os personagens em todos os detalhes. O som tem poder de emocionar e conectar.
Ao conhecer esses aspectos de Richard Wagner, é impossível não refletir sobre a experiência que as marcas e profissionais promovem, e sobre as narrativas mercadológicas e artísticas que permeiam o mercado e a sociedade. O todo visa impactar e conectar espectadores e determinada marca, seja de um produto, serviço, ou de um compositor.Para terminar essa viagem, uma trilha empolgante e cheia de simbologia: A Cavalgada das Valquírias! Uma obra de Wagner presente na segunda ópera da tetralogia de “O Anel de Nibelungo”, e que foi parar no clássico filme de Francis Ford Copolla, Apocalypse Now. A música faz parte do ato III, e naquele momento as Valquírias, personagens que são extensões do próprio Odin, se reúnem com seus cavalos em uma montanha. Como você pode ver, essa é mais uma narrativa e experiência que ficou para a história: https://www.youtube.com/watch?v=xeRwBiu4wfQ
Nota do autor: este texto foi desenvolvido com base no conteúdo de palestras sobre a mitologia nórdica, palestras e biografias sobre o compositor Richard Wagner, além de alguns detalhes e datas reunidos e bibliograficamente embasados dentro da plataforma wikipedia. Alguns conceitos de marketing e brand experience são dos autores mencionados no texto, junto com reflexões deste professor.
Karlan Muniz é publicitário, mestre e doutor em administração, professor de marketing e comportamento do consumidor. Atua como consultor para análise e pesquisa de mercado.
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