Na altura dos olhos, no alto dos prédios, letras, desenhos e assinaturas marcam, ou melhor, demarcam territórios, historicamente delimitados por políticas públicas e privadas que há tempos privilegiam um pseudo conceito de beleza urbana. Esse “ideal” do que seria esteticamente aceito para determinado ambiente permeia muitas cidades brasileiras e Florianópolis não foge a regra.
A capital catarinense ostenta paisagens paradisíacas, cenários perfeitos para o fomento da pluralidade cultural, mas que apenas recentemente vem incorporando aos grandes centros urbanos a arte vinda de suas margens. Os graffitis que aos poucos preenchem paredes antes lisas, passam a ser notados e apreciados por cidadãos ilhéus e turistas, que, na correria do dia a dia, parados no trânsito ou subindo as ruas do centro, têm a oportunidade de apreciar a expressão de artistas como o João, 33 anos, o ”VEJAM”.
João Carlos trabalha com graffiti há cerca de 20 anos, pode-se dizer que o homem nasceu para fazer arte. Desde criança gostava de expressar sua criatividade através de desenhos. A ânsia por conhecer as ruas e o que elas tinham a lhe oferecer veio através do skate na adolescência e o que mais lhe chamava atenção em seus “rolês” eram os grafites. Desde então, o ponto focal de João passou a ser os muros da cidade e como estes eram aproveitados (ou não) artisticamente.
“O que eu via nas ruas de Florianópolis eram, basicamente, pichações políticas ou de torcidas organizadas”
– VEJAM –
Em uma de suas aventuras no graffiti, João adotou o codinome “VEJAM”, vulgo pelo qual se tornou amplamente conhecido, passando a integrar a mais notável geração de grafiteiros de Floripa, tendo seu trabalho reconhecido internacionalmente.
De acordo com o artista, o princípio básico do grafite é vivenciar a rua, funciona quase como uma sessão de terapia, onde o divã são os muros e a tinta o psicólogo. Filho do movimento Hip Hop, ele acredita que atualmente as artes plásticas nas ruas conseguiram a emancipação de algo maior, uma vertente que de tão rica e complexa vem se tornando cada vez mais autossuficiente como cultura, sem é claro, esquecer suas origens.
“É uma linha tênue e essa essência às vezes se perde pelo contexto social, como a sociedade de modo geral enxerga este movimento transgressor, englobando artes que não são grafite, apesar de utilizar as técnicas do grafite, mas que nem sempre carregam o ato transgressor, inerente ao grafite”
– VEJAM –
Para ele, uma constante preocupação é permanecer fiel à essência do movimento, mantendo essa chama acesa. Dentre as variantes do grafite citadas por “VEJAM”, está a pichação, que utiliza de escrituras ou assinaturas (tags) inseridas em qualquer superfície para manifestar ou reivindicar algum direito. Ela pode vir de qualquer um, sem distinção, mas quando feita por pessoas vindas de periferias adquirem caráter de protesto para além do visual.
Recentemente a antropologia vem desenvolvendo novas abordagens a respeito da ocupação urbana pelas artes, não apenas no sentido de tentar decifrar a arte e seus significados, mas entendê-la como uma ação social, uma maneira de repensar a cidade. Segundo o antropólogo Rafael Devos, as imagens encontradas em muros e prédios fazem parte de relações sociais, analisando o espaço urbano não apenas como uma folha em branco, mas também os sentidos que o grafite e suas variantes provocam tanto no artista como no espectador.
“É uma trajetória artística legítima e que não necessariamente está pautada por uma formação escolar, mas por um tipo de sociabilidade das ruas, um espaço onde você deve estar aberto para encontrar aquele que é diferente”
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