Há pouco tempo vi numa livraria a “História da Psicologia Moderna”, de C. G. Jung. Mal pude conter a vontade de comprá-lo. Pensei então: eu poderia escrever sobre Psicologia aqui na Abertura; afinal, Seu Teco me dá a liberdade mais plena. Sim, Psicologia! Eu não seria um junguiano, menos ainda um freudiano. Arriscaria algo antiedipiano. Uma arquitetura mais kandinskyana. Máquinas desejantes em corpos cheios de vácuos. Análise super-pós-deleuziana.
Então devolvi o livro à estante: não, definitivamente não – nada de Psicologia! Além de ser um perfeito leigo na matéria, eu ainda abusaria desses prefixos e sufixos chatíssimos. Soaria tão pedante! Seria horrível. Está decidido: seguirei focado no Direito Empresarial. É a melhor escolha.
Minha timidez explica essa decisão. Sou muito tímido, sobretudo quando escrevo. Se arrisco estes artigos aqui na Abertura, é porque restrinjo o campo da minha abordagem. Aqui, neste pequeno recanto da ciência (ousei usar essa palavra), eu me sinto mais seguro. Trabalho com essa matéria há anos na advocacia e na academia. Já vi muitos casos. Já aprendi muita coisa. Sim, está decidido: Direito Empresarial.
Mas então penso: essas razões não bastam. Ainda que eu tenha experiência na matéria, isso não significa que ela interesse ao leitor. Resta ainda a pergunta, desta vez a quem me lê: por que tratar, aqui, de Direito Empresarial?
Eu poderia dizer que nossa região, com cidades de economia pujante e industrializada, tem natural interesse pela matéria. Mas não. Mesmo que isso seja verdadeiro, não me contenta. Há algo mais a ser dito. Tenho que indicar, no Direito Empresarial, uma importância apodítica. Algo que interesse tanto aos empresários de Jaraguá como aos nativos isolados da Polinésia. Algo que, sem considerar as circunstâncias, seja digno de ser apreciado. Numa palavra: algo que afete a humanidade.
Sim, a humanidade: eis a palavra de onde posso extrair a resposta mais profunda à pergunta que intitula este artigo. A empresa é um fenômeno humano da mais alta importância. Porque produz mercadorias e emprega trabalhadores e concentra riquezas e inclusive as distribui. Mas sobretudo porque cada empresa é um centro de poder na sociedade humana. No caso das grandes empresas, um centro de poder imenso. Um poder que talvez só tenha paralelo naquele exercido pelos Estados nacionais.
Nenhuma outra ciência (sim, de novo a palavra ousada) aborda tão bem esse fenômeno: o poder empresarial. Pois o vislumbra desde dentro: desde o interior da arquitetura que define as instâncias de poder em cada empresa. Empresas são entes complexos e estes, por mais que tentemos personificá-los, não são humanos: não têm voz, não têm mãos, não têm consciência e vontade. São os homens que têm isso tudo. O poder exercido pelas empresas remonta aos homens por trás delas. O direito empresarial investiga essa “realidade por trás das cortinas”. Essa investigação é fundamental: ela vai apurar quem são os responsáveis pelas decisões tomadas; e vai apontar a quem se dirigem as consequências previstas na lei.
É a lei, afinal, que dá existência às empresas. Ela reconhece os fatos típicos – o contrato, a atividade, os dirigentes – cujo reunião permite apontar a existência desse ente. Mas reitere-se: esse ente é fictício. Ou melhor: não é humano. No Direito, tudo o que não é humano tem um quê de fictício. No Direito, só há uma realidade indiscutível: a consciência e a vontade – numa palavra: a liberdade. O Direito Empresarial estabelece a relação – de importância decisiva – entre a empresa e o exercício dessa liberdade.
Consciência, vontade, liberdade: sim, eu sei, há muita discussão também quanto a esses atributos humanos. Mais ainda: discute-se se esses atributos são, de fato, a base do Direito. Há quem acuse, aos que assim pensam, de acreditar num Direito idealista; logo, irrealista; no fundo, metafísico, hegeliano, burguês. A discussão é sociológica, epistemológica, filosófica – e eu prometi me concentrar no Direito Empresarial. Mas os temas jurídicos são assim: eles não têm fundo – eles são abismais.
Talvez esta seja a resposta que buscava: escrevo sobre Direito Empresarial porque vejo, nessa matéria, um atalho pra chegar às questões abismais. Talvez seja um erro ousar discuti-las. Talvez seja isso, essa ousadia, o que leva alguém a escrever. Talvez, pensando bem, eu deva comprar o livro do Jung.
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