Renan Calheiros durante a reunião da CPI da Pandemia (Edilson Rodrigues/Ag. Senado)
Os tambores rufam, os olhos se arregalam, o país está em polvorosa: começou a CPI da COVID. A oposição festeja num intenso foguetório. Os críticos de Jotabê veem se abrir o caminho para o impeachment. Os mais ferozes já podem imaginá-lo preso. “O genocida”, dizem, “terá sua punição”.
Receio que haja, em toda essa expectativa, algum excesso. Talvez a oposição esteja esperando demais dessa CPI. Talvez o fim desse governo não seja assim tão próximo. Talvez o sistema político esteja só encenando sua peça mais cínica.
O portal Globo.com fez um levantamento sobre os onze senadores que compõem a CPI. O quadro é quase simétrico, com um desequilíbrio sutil em desfavor do Governo: dois senadores oposicionistas, dois governistas e outros sete que se declaram independentes: três deles seriam mais próximos da oposição, outros dois seriam mais próximos do governo e os dois restantes, entre os quais o presidente da comissão, seriam equidistantes.
A oposição festeja sobretudo a nomeação de Renan Calheiros como relator. O alagoano é visto como um crítico do governo bolsonarista e, ao mesmo tempo, como um hábil condutor dos trabalhos da CPI. De fato, a relatoria é uma função-chave. Renan, se quiser, pode aplicar golpes duros em Jotabê. A expectativa da oposição talvez se justifique. Mas é bom não esquecer este detalhe ontológico (e tautológico): Renan Calheiros é Renan Calheiros.
Não se trata apenas de Renan. A composição da CPI reflete a do Senado. Um “centrão” de contornos vagos – e ideais vaguíssimos – forma o principal grupo. As eleições para os governos estaduais, em 2022, são talvez sua principal preocupação. Há um amplo espaço para negociações. Há mãos velozes e ávidas por alianças. Há muito capital político envolvido. Inclusive, e sobretudo, o de Jotabê. O capital que ele finge ter – e que, diria o poeta, deveras tem.
A CPI pode ser, para os críticos do Governo, um tiro que sai pela culatra. A narrativa da oposição – apoiada em tão boas razões – pode ser enfraquecida. As responsabilidades podem ser diluídas em dezenas – ou centenas, ou milhares – de pequenas culpas. As condutas assim fragmentárias podem ser descritas como deslizes. O ‘sistema’ pode acabar sendo o grande – e talvez o único – condenado. Bolsonaro, ao fim da CPI, pode ser considerado “apenas” um “incompetente”; ou, se quisermos figurar um grau ainda mais leve de culpa, um político inábil para lidar com o sistema – inabilidade que será, para muitos, um sinal de sua “pureza”, de sua “incorruptibilidade”, de seu “pendor antissistema”.
O cinismo dessa encenação pode estar precisamente nisso: Jotabê, que finge combater o ‘sistema’, talvez esteja sendo assimilado por este. Completamente assimilado. Afinal, ele está sendo empurrado – sempre mais – para os braços longos do centrão. Por que deveríamos supor que o sistema destruiria Jotabê, se pode simplesmente se aliar a ele? Por que duvidar dessa aliança, que aliás já existe e é cada vez mais forte? Por que acreditar na verdade da encenação?
Aos críticos do governo, sugiro uma postura realista. A CPI é, sem dúvida, uma ótima oportunidade de mostrar os erros – ou os crimes – cometidos durante a gestão da pandemia. É também um meio de alcançar punições efetivas, entre as quais o impeachment. Abriu-se uma instância de investigação e, sobretudo, de julgamento político. Nem a mais parda eminência pode assegurar, de antemão, que essa instância não cumprirá suas funções republicanas. Mas é preciso estar atento. É preciso obrigá-la a exercer tais funções. É preciso saber jogar o jogo desse grande processo.
Do contrário, como diria um outro poeta, herdaremos só o cinismo. E toda a CPI será só mais uma cortina de fumaça a nublar nossas vistas. E assim talvez não vejamos, com a necessária nitidez, a realidade que ao governo interessa esconder.
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