“A Live de segunda pegou”, foi o que pensei na segunda depois da Live. Em duas semanas consecutivas, a Abertura fez um encontro de quatro de seus colaboradores para discutir, basicamente, política. Em meu último artigo tratei do primeiro encontro, que apreciei bastante. O segundo, no último dia 24, foi ainda melhor. Darwinn Harnack, que trocou o pijama por um xale e óculos elípticos, é sem dúvida um moderador mais hábil e de mais estofo. Karlan Muniz repetiu a ótima atuação: observações agudas combinadas com uma rara capacidade de se comunicar. Marco Murara foi genial: opiniões ora engraçadas, ora comoventes, sempre impecáveis. Quanto a Jackson Torres, o que dizer? É dono de uma lucidez diamantina, de que é sinal inequívoco a mecha grisalha que lhe cai sobre a fronte. É aliás deste último, Jackson, a premissa do meu pobre artigo de hoje:
“Lils e Jotabê se parecem ao serem, ambos, populistas; mas se distinguem na medida em que o segundo não demonstra ter compromisso com a democracia”.
A transcrição não é literal. Perdoe-me o bom Jackson se minha memória deturpou sua fala. Em todo caso, é esta a premissa que assumo neste artigo. E acrescento: considero-a irretocável.
Na última sexta-feira, 21, a imprensa divulgou um evento inusitado: o encontro entre Lils e Efeagacê. A aproximação entre as duas figuras políticas mais importantes da “redemocratização” brasileira foi sintetizada por uma declaração vulgar, ainda que bastante clara, do Tucano: “Quem não tem cão caça com gato”.
Ele se referia, claro, à sua opção num cenário eleitoral polarizado entre Lils e Jotabê, sem uma “terceira via”. É compreensível – e nada surpreendente – a posição do peessedebista. Mas é intrigante que ele a explicite neste momento. Essa declaração, nesse exato instante, suscita-me duas hipóteses opostas. Permitam-me resumi-las.
Hipótese otimista: Jotabê está eleitoralmente acabado. O baronato da política brasileira percebe isso e dá seus sinais. O gesto de Efeagacê representa uma mensagem aos ratos: abandonem o barco, rápido!
Hipótese pessimista: a política brasileira é escrava da polarização entre Lils e Jotabê. Não há opção, não há “terceira via”. Pior: ambos, Jotabê e Lils, trabalham para manter essa polarização. O petista já disse com todas as letras: quer o atual Presidente, que derrete como um iceberg em Copacabana, como seu principal – e na verdade único – oponente. É lícito supor que Jotabê pense o mesmo.
É inegável a capacidade de articulação política de Lils. É certo que ele saberá aglutinar forças em torno de si. Mas é possível – e aqui está o pessimismo da hipótese – que todas essas forças aglutinadas representem, para o eleitorado, algo que Jotabê chama de “sistema”. Algo que encarne toda a corrupção de nossas instâncias políticas. Algo que ele finge, há pelo três anos, combater. Finge mal, é verdade: olhos minimamente atentos percebem a canastrice da performance. Mas é esse o papel que ele sabe representar. E é essa performance que o trouxe ao poder – e que lhe mantém, cegos e irascíveis, os fiéis.
Em suma: a polarização entre Lils e Jotabê pode ser a única esperança deste último. Ela dará a seu personagem mais “autenticidade” e sobretudo mais importância: afinal, só o “mito” poderá derrotar o “monstro comunista”. A sua narrativa, baseada em inimigos espectrais da família e da propriedade, terá o solo propício pra germinar. De novo.
A tal segunda hipótese pode ser pessimista demais. Não sei. Mas sinto que é preciso fazer alguma coisa pra evitá-la. Talvez não nos conformarmos com essa mera alternativa entre Lils e Jotabê. Talvez resistirmos a essa polarização. Mas como evitá-la? O que está ao nosso alcance? O que podemos nós, reles insetos, diante dessas duas figuras politicamente gigantescas?
Dizem que Darwinn Harnack é um abelheiro. Dizem que em sua casa ele mantém um abelheiro. Sim, a palavra parece ter essas duas acepções: o criador e o criadouro de abelhas. Não sei o que fazer diante das duas hipóteses que cogito – especialmente diante daquela pessimista. Essa ignorância me consome. Mas sinto que é possível fazer algo: ser ou ter, assim como Darwinn e assim como a Abertura, um abelheiro. Afinal, insetos podem ter ferrões penetrantes – e mesmo letais. E podem produzir, num esforço coletivo, algo doce e puro – como o mel.
Comentários: