Opinião

Você*

Você*

Você venceu. Com ou sem golpe, você venceu. Mas não comemore: isso é um problema. Você tem que carregar o fardo dessa vitória. Tem que assumir a culpa pelos crimes da manada em que marcha. Tem que responder pelo mal que causou. Você sabe que a economia vai mal, que as reservas secaram, que as joias da coroa estão sendo vendidas a preço vil. Sabe que há inflação, desemprego, miséria e fome. Sabe que ministros caíram porque tinham esquemas – com madeireiros da Amazônia, com atravessadores de vacinas, com pastores que distribuíam verbas em troca de barras de ouro. Sabe que existe o orçamento secreto e que dezenas de bilhões de reais foram desviados em troca de apoio ao governo, naquilo que é o maior caso de corrupção da nossa história – tão grande que virou a regra básica da república apodrecida. Sabe das milícias, dos lessas e dos queirozes, dos rios de armas jorrando pro mar de criminosos. Você sabe de toda essa verdade imunda. Mas aprendeu a evitá-la. Descobriu um meio de mergulhar numa cegueira tranquilizante: a fé no mito. Sim, a fé: apesar de toda a crise e toda corrupção e todo o mal, você crê nele. E não sabe por quê. Pois saiba: é porque você se reconhece nele. Você também acha que só importa a sua vitória – o seu egoísmo consumado – a qualquer preço. Pra vencer você tem que evitar a verdade. Então tem que nos calar. Mas você não sabe quem somos. E somos muitos. Todos os que não têm aquela falsa fé. Muitas vozes por todo lado falando sempre muitas coisas. Você tenta nos calar. Mergulha nas bolhas. Consome os discursos forjados pra guerra. Respira o ar podre dos cultos ocultos. Mas as vozes não calam. Você rasga faixas e bandeiras. Intimida os que passam vestindo outras cores. Joga bosta nas multidões. Mas as vozes não calam. Você fica mais violento. Dá tiros pro alto. Faz ameaças explícitas. Anda em grupos armados que vestem camisas pretas. Mas as vozes não calam. Então você pira. E se torna um assassino. E mata quem você odeia. E quem você ama. E produz tragédias como aquelas do Paraná. Sim, você venceu: morreu a chance da paz. Mas antes de estourar os próprios miolos, repara bem: as vozes não calam.

*Texto em homenagem às vítimas das tragédias de Foz do Iguaçu e de Piraí do Sul.

Vítor Véblen

Vítor Véblen é iniciado em literatura política. Viveu em Chicago, onde estudou economia. Mora atualmente em Joinville.

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