Não queria falar da fome
Daquela que não é metáfora
Real, doída, obscena
E falei da fome
Das crianças carimbadas
Das mulheres humilhadas
O fel das palavras engolidas
Não queria jamais falar da fome
Dessa crua, fria, absurda
Queria que fome fosse um jeito de dizer
Te quero
Te desejo
Te amo
Sinto fome de você
Vontade de te morder
Que só fosse permitido usar essa palavra assim
Eroticamente
Carinhosamente
Amorosamente
Que fome jamais fosse dor, miséria, desamparo
E que, em qualquer sinal de sua sombra, o mundo se moveria com a mesma energia que usam nas guerras, para acabar definitivamente com ela
Não queria falar da fome assim
Não queria
Mas ela grita.
Wagner Rengel quis ser silêncio depois pássaro depois peixe depois vento depois grilo quis ser gente depois nada. Mora em Curitiba.
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