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5 Filmes Nacionais – Anos 2010

5 Filmes Nacionais – Anos 2010

Quando o assunto é cinema brasileiro é natural lembrarmos do Cinema Novo, movimento precursor de técnicas responsáveis por pavimentar muito do que veríamos nos filmes nacionais a partir de então, seja no neo-realismo de “Rio 40 graus” ou na temática nordestina de “O Pagador de Promessas”.

Avançando um pouco no tempo, em meados de 1990 e 2000 temos a Retomada. Com produções exitosas em bilheteria e crítica e, é claro, com maior financiamento. Desta fase surgiram alguns novos clássicos como: “Central do Brasil”;  “O Que É Isso, Companheiro?”; “Cidade de Deus”;  “Carandiru”; “Tropa de Elite”, entre tantos outros.

Mas os anos 2010 também reservam alguns preciosos tesourinhos, que se você ainda não assistiu, está perdendo tempo e porque não, cultura. Confira a lista com alguns dos melhores filmes nacionais (na opinião do redator), produzidos na década passada. 

Estômago (2013)

Estômago conta a história de um imigrante nordestino, que assim como tantos outros, parte para a cidade grande em busca de melhores oportunidades. Com uma mão na frente, outra atrás, Raimundo Nonato, protagonizado com maestria por João Miguel, encontra em uma coxinha de frango fria e velha, a oportunidade para sobreviver em um novo ambiente, rodeado por pessoas tão medíocres como o assado que ele havia provado assim que chegou.

Testemunhamos as desventuras narradas em primeira pessoa, de um personagem aparentemente ingênuo demais para as provocações mundanas. Nosso protagonista vivencia uma jornada de adaptação desde os primeiros minutos do longa. Pouco sabemos sobre ele, portanto, podemos esperar qualquer reviravolta desta trama, deixando quem assiste à mercê daquilo que o protagonista relata.   

A narrativa em primeira pessoa, carrega o espectador junto a bagagem humilde de Raimundo, testemunhando através de seus olhos a crescente aptidão e paixão pela culinária, o amor por uma uma garota de programa e, inclusive, a surpreendente prisão e os desdobramentos no cárcere.

O filme, no entanto, não se apega a uma sobrevivência melancólica. Podendo ser encarado como uma fábula, nada infantil, sobre poder, sexo e culinária. O título não pretende enganar ninguém, é de fato um filme sobre estômago, não somente no sentido de fome e comida, mas também das sensações refletidas por este órgão, das mais saborosas as mais indigestas.

Elenco: João Miguel; Fabiula Nascimento, Babu Santana e Paulo Miklos.

Direção: Marcos Jorge.

Disponível: Netflix.

O Menino e o Mundo (2014)

O único representante das animações nesta lista, evoca uma trama batida e revisitada diversas vezes ao longo da história do cinema nacional: o personagem do interior, vivendo de forma sofrida em um local esquecido pelos poderes e invisível até para as mais piedosas santidades. Neste caso, porém, o protagonista é uma criança, logo, todos esses tristes fardos já vistos em diversos outros filmes se tornam mais brandos e porque não lúdicos, aos seus olhos. 

A trama gira em torno de um menino abandonado pelo pai que, vejam só, viaja para a metrópole em busca de alguma oportunidade. Essa ausência fraterna e repentina permeia toda a história, impulsionando o garoto a trilhar o mesmo caminho de seu progenitor. Ao fugir de casa, sem rumo, o protagonista também deixa sua mãe para trás, cena ilustrada de forma sublime, capaz de dar nó na garganta dos mais experientes cinéfilos.

O universo de “O Menino e o Mundo” é um personagem à parte. A escassez de diálogos, o silêncio proposital e o traço simples da animação podem afastar aqueles que estão acostumados com produções hollywoodianas. Porém, isso é muito bem recompensado com abundância de cores, cenários cheios de vida e uma trilha sonora primorosa (composta pelo rapper Emicida, ouçam!), conferindo ao longa uma inesperada experiência contemplativa.

Neste filme, há algo de muito fascinante para este que os escreve: o arquétipo do personagem que inicia a trama em um ambiente inóspito, afastado de tudo e sem qualquer perspectiva de futuro. No entanto, com o desenvolvimento do enredo, é conduzido a uma viagem pela das riquezas humanas e naturais da metrópole. Passamos do sertão a cidade, do gado aos carros, do lampião aos neons, trazendo um respiro de mudança de ambientes, como visto em “Central do Brasil” e “Paris, Texas”, por exemplo .

O sentimento de esperança está lá, na expectativa do reencontro tão esperado. O medo também se faz presente, afinal é uma criança solta na cidade grande. Os personagens são carismáticos e os temas abordados em segundo plano são muito pertinentes. Apesar de ser um desenho animado, talvez os mais jovens não entenderão as mensagens do filme ou sequer acharão o resultado satisfatório. 

Para concluir, três conselhos: crie as mais variadas expectativas, preste atenção nos detalhes e… você já assistiu “Clube da Luta”?

Direção: Alê Abreu.

Disponível: Google Play e Disney Plus.

O Lobo Atrás da Porta (2013)

Um dos mais intrigantes títulos do cinema nacional merecia uma história não menos interessante, é exatamente isso que “O Lobo Atrás da Porta” oferece. O enigmático nome da obra pode deixar intrigado quem vai assisti-lo pensando que trata-se de um filme de terror, de fato o é.

O argumento inteligente prende o espectador desde os primeiros minutos, contribui para isso, a atmosfera de suspense que permeia todo o filme, como se algo estivesse errado, ou como se alguma coisa impactante fosse acontecer a qualquer momento, e é então que entra a perspicácia do roteiro. Acompanhamos uma trama onde o horror já aconteceu.

Quando uma menina é sequestrada de sua creche, começa a investigação para tentar descobrir o paradeiro da criança, quem a levou e o que fez com ela. A teia de elementos e hipóteses é elaborada por um detetive (que está lá para nos representar), como um “orelha” dos depoimentos recolhidos, tentando decifrar o enigma.

Na verdade, o que assistimos neste filme são flashbacks, contados de diferentes pontos de vista. O roteiro digno de Nelson Rodrigues, ajuda a confundir detetive e audiência: um homem casado e pai de família, encontra uma jovem solitária no trem. Os dois logo se apaixonam, de forma instantânea e carnal, entre encontros extraconjugais e promessas não cumpridas, o relacionamento começa a tomar rumos dramáticos e abusivos.

Com atuações brilhantes de Milhem Cortaz, Fabiula Nascimento e, principalmente, Leandra Leal, “O Lobo Atrás da Porta” é um filme sobre confiança e traição, um Supercine maravilhoso, onde o demônio mora dentro do próprio ser humano e o desfecho vai fazer você pensar durante muito tempo. Prepare-se para o impacto deste que é um dos melhores filmes da década.

Elenco: Leandra Leal; Milhem Cortaz; Fabíula Nascimento e Juliano Cazarré.

Direção: Fernando Coimbra.

Disponível: Google Play.

Boi Neon (2015)

Um vaqueiro que sonha em ser estilista, esta é a premissa de “Boi Neon”. Neste filme os pés nos chão e as mãos no esterco dividem espaço com a mente afoita. Em um objetivo muito difícil de ser alcançado, Iremar, vivido por Juliano Cazarré, faz de trapos achados em qualquer lugar, peças de roupas dignas de grife. Com tempo escasso, sem dinheiro e sem formação, ele usa seu dom como passa tempo, pois as condições para edificar seus planos não vieram no pacote.

Não se engane, pois o próprio protagonista não faz isso. Esta história não é uma versão brasileira de Cinderela, muito pelo contrário, acompanhamos a rotina mundana de um sonhador, cercado por companheiros que sequer sabem o que é sonhar.

Se você não é fã de filmes lentos, talvez esta não seja uma boa pedida. Apesar da curta duração, o ritmo é arrastado, cadenciado, por vezes silencioso, sem surpresas, mas cheio de humanidade. O roteiro se apoia nas atuações, todas excelentes, sem precisar jogar na cara do espectador nuances naturais, deixando os atores livres em cena para interpretar da forma que bem entendessem.

A estética também é outro ponto alto, muito semelhante às obras do cineasta Nicolas Winding Refn, diretor dos filmes “Drive” e “Demônio de Néon” (mera coincidência?). 

A premissa inovadora e até certo ponto criativa para os padrões do cinema brasileiro, aliada às ótimas atuações e uma direção sensível e despretensiosa, fazem de “Boi Neon” um filme que vale a pena ser visto. 

Elenco: Juliano Cazarré; Maeve Jinkings e Vinícius de Oliveira.

Direção: Gabriel Mascaro.

Disponível: Netflix.

A Vida Invisível (2019)

Mais conhecido como o filme escolhido para concorrer ao Oscar no lugar no fenômeno “Bacurau”. Apesar da baixa popularidade, “A Vida Invisível” não deixa nada a desejar para o filme de Kleber Mendonça Filho. 

O longa conta a história de duas amigas que por uma coincidência genética também são irmãs, pólos opostos, porém inseparáveis, que permanecem conectadas do início ao fim da trama. Guida é a irmã rebelde, motivo de dor de cabeça dos pais e das fofocas da vizinhança, já Eurídice é o tesourinho da família, nela é depositada toda a expectativa de um futuro dentro do padrão brasileiro dos anos 1950. 

As duas são separadas por um patriarcado retrógrado e Guida, apesar de continuar as nossas vistas, desaparece para a irmã, restando a Eurídice o fardo de ser a última esperança de “bons frutos” para a família, algo que ela nunca desejou.

Com o passar do tempo Eurídice, abandona aos poucos, seus maiores sonhos, o talento para a música e a ânsia por morar fora do país, em prol de constituir uma família. Anestesiada por uma vida broxante, com marido e filhos, ela se desapega de seus tão valiosos princípios, sem nunca esquecer, porém, a figura de Guida.

Este é um filme extremamente sensível, sobre amizade, lealdade, machismo e, acima de tudo, memória. Contar mais estragaria a experiência de quem for assistir pela primeira vez, fica então a menção mais que honrosa para a participação de Fernanda “Deusa” Montenegro no último ato, arrancando sem dificuldade alguma lágrimas dos espectadores mais durões. 

Elenco: Carol Duarte; Julia Stockler; Gregório Duvivier e Fernanda Montenegro.

Direção: Karim Aïnouz.

Disponível: Telecine Play

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