Opinião

A empatia perdida… encontrada no branding?

A empatia perdida… encontrada no branding?

Boa parte da humanidade está paralisada na década de noventa. Estava escutando conversas entre pessoas da minha idade, e percebi que as opiniões e forma de pensar são praticamente as mesmas que elas tinham em 1995. Existe um racismo, um sexismo e uma visão da realidade que só conseguiram se manter vivos em um mundo pessoal, pequeno e fechado. Tem gente que viaja o mundo todo, mas não aprendeu nada sobre estar em sociedade e respeitar a complexidade e as diferenças, na comunidade nacional e global.

A despeito dos negócios, tecnologias e ambientes de diálogo avançarem rapidamente rumo ao futuro, vejo algumas pessoas próximas andando em sentido inverso. O pessoal falando em metaverso, mas ainda não conseguimos resolver a relação entre os humanos que por ventura são diferentes no mundo real. Não existe empatia. A defesa é sempre para garantir que tudo seja exatamente como era décadas atrás, conceitos há muito obsoletos, gerando opiniões cruéis e compartilhando um pré-histórico e empoeirado conjunto de valores.

Quem estuda a gestão das marcas – no meu caso, são quase 20 anos – se depara com o conceito de Zeitgeist: o espírito do tempo, o estado de ser e pensar de uma época. Para uma marca se manter competitiva, não basta ser autêntica. É necessário acompanhar o espírito do seu tempo. Ser contemporânea. E o fluxo do tempo só observa o devir, ou seja, ele sempre voa para frente, senhoras e senhores. Se compararmos uma mesma marca forte no ano 2000 e depois na década de 2020, veremos que ela compartilha valores que evoluíram, possui posturas diferentes, relaciona-se e se conecta de forma diferente com os consumidores, ainda que a raiz dela seja a mesma. Agora, uma comparação de ordem pessoal. Se vocês assistissem a aula que eu ministrava em 2008 e a comparassem com a aula de hoje, veriam uma grande diferença, baseada na técnica, que foi aprimorada, e na adaptação da abordagem e conteúdo aos valores e forma de ser professor no mundo atual. Talvez eu não acerte sempre, mas quero ser do meu tempo, e respeitar as centenas de pessoas diferentes que convivem comigo. A adaptação das pessoas e das marcas, nesse sentido, é parecida. A compreensão do espírito do tempo, a menos que você esteja em um mundo pequeno e estagnado, se faz necessária.

A gestão de marcas é uma técnica que serve aos negócios, mas que só funciona se o processo conectar as pessoas nessa “promessa” chamada marca. Ou você (a marca) tem empatia, ou não há diferenciação que dure por muito tempo. A conexão emocional é o melhor diferencial, por ser mais difícil de imitar que os produtos e serviços oferecidos ao mercado. E ela só vem com empatia. A empatia, por sua vez, só vem com respeito e compreensão de como o mundo evolui, pensa e sente de verdade.

Ser uma marca forte é também ser uma marca de sua época. Ainda que alguns valores sejam coerentes desde sempre, outros vão se ajustando ao espírito do tempo. Muitas marcas, como Skol, O Boticário e Magazine Luiza, não são as mesmas marcas que eram no ano 2000, ou mesmo em 2010. Estão de olho e acompanhando o espírito do tempo, da sociedade, do mundo.

Agora vem a parte mais doida: as marcas e empresas estão sendo cobradas e se mobilizando a se posicionar em relação a diversos assuntos e temas. Como interlocutores sociais, ainda que motivados por interesses econômicos, marcas relevantes precisam entender o espírito do tempo. E precisam escolher se permanecem na década de noventa ou enfrentam a discriminação de pessoas e outros crimes que dividem a vida coletiva. Isso requer coragem, eu sei. Mas a experiência mostra que acompanhar a evolução traz mais sucesso que bater o pé e ser atropelado pelo mundo e pela simples evolução da sociedade.

Percebo, pois, que as marcas estão tentando incluir mais as pessoas, combater violência verbal ou comportamental, e participar na assistência e na união em prol de algo maior do que elas. Isso não vai parar, assim como o mundo da década de 90, dos nossos avós, não cabe hoje em dia. Como marcas são feitas de pessoas, posso ser otimista que tem gente que entendeu o recado. Numa sociedade que muitas vezes não entendeu que a evolução pessoal passa pela compreensão e respeito ao jeito de ser do outro, quem sabe as marcas possam ajudar um pouco na promoção de alguma dose de empatia. A mesma empatia que, por vezes, julgo perdida, até nas pessoas que estavam comigo no passado e, infelizmente, pelas ideias e visões, continuam psicologicamente na década de noventa.

Foto por Edward Howell / Unsplash

Karlan Muniz

Karlan Muniz é publicitário, mestre e doutor em administração, professor de marketing e comportamento do consumidor. Atua como consultor para análise e pesquisa de mercado.

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