A bons ouvidos não passou despercebido: houve quem não quisesse fazer o gesto de repúdio ao racismo, ajoelhando-se antes das partidas. Não eram apenas indivíduos mergulhados em seus solipsismos, onde a luta de punhos cerrados é um exagero retórico. Eram seleções. Várias delas decidiram que não iriam fazer o gesto.
Ruim, muito ruim. Sintomático. Mas, até então, estávamos apenas discutindo a postura dos participantes. Podemos censurá-las, mas temos que conviver com elas. É do jogo.
Falando em jogo, o começo do torneio me trouxe uma suspeita mais forte. Entre os grupos da primeira fase, havia um com enorme destaque. Reunia Alemanha, França e Portugal. Tinha duas sedes: Munique e Budapeste. Nesta última, jogos com o estádio lotado. Agora não se tratava de postura ou de solipsismos: era a UEFA dando um presente – o mais valioso presente da primeira fase do torneio – a Viktor Orbán. Seus enormes serviços prestados à União Europeia – instalar em território húngaro um regime extremista, bem conveniente para lidar com imigrantes vindos dos leste em direção às terras ricas do continente – estavam sendo recompensados.
Ruim, muito ruim. Sintomático. Mas, até então, estávamos apenas falando de política. Confederações de futebol nunca foram um exemplo de estadismo. É do jogo.
Falando em jogo, a Áustria estreava na Euro. Seu centroavante fez o gol da vitória. Belo gol, num momento tenso da partida. Compreende-se sua comemoração catárquica. Mas não se aceita, não se pode aceitar que em sua catarse ele tenho feito o sinal repugnante: WP, white power. Alaba, negro e capitão do time, claramente tenta demovê-lo dessa atitude. Era tarde: as câmeras já tinham flagrado os dedos do idiota. O caso chegou na UEFA. Esperava-se uma punição exemplar, à altura do repúdio que merecem os gestos supremacistas. O cara recebeu a pena mínima.
Ruim, muitíssimo ruim. Sintomático. Mas, até então, estávamos apenas falando de justiça. E a justiça do futebol sempre foi meio injusta. É do jogo.
Então houve o episódio desta semana. A Alemanha jogaria em Munique e propôs que seu estádio, cuja fachada se colore ao sabor da ocasião, tivesse as cores do arco-íris. Homenagem ao mês do orgulho LGBTQIA+. Quem poderia ser contra essa ideia? A UEFA. A entidade censurou.
Isso não é do jogo. Tem aí, por trás dessa censura, algo ruim. Algo que cheira mal. Algo de podre. A bons ouvidos não passa despercebido: são os extremismos. Pequenos monstrengos compondo a cena. Detalhes nos cantos da tela. Mas nítidos. A nuvem negra da história, que troveja sobre o Brasil, também escurece o horizonte da rica e civilizada Europa. Lá, mais que em qualquer outro lugar, os extremismos têm uma função balsâmica: eles aliviam a dor da culpa, a culpa europeia de ter construído seu império sobre os corpos dos povos subjugados – a euroculpa.
O jogo segue. Mas se percebe, por trás da cortina, o burburinho das velhas vozes. O velho continente, a bons ouvidos, vai exibindo seu fabuloso – ou monstruoso – espetáculo.
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