1777 foi um ano decisivo. Com todos esses “setes”, tinha mesmo que ser. Sete é um número misterioso. Parece guardar surpresas em algum de seus sete cantos. Parece esgrimir golpes com alguma de suas sete pontas. Uma surpresa, talvez; um golpe, decerto: eis o que foi a invasão espanhola à Ilha de Santa Catarina. Em 23 de fevereiro de 1777.
Virgílio, o nosso poeta, conta (e canta) o episódio: “Sem o menor obstáculo — pois o inimigo fugia! — mal o vento rondara, a frota castelhana abordou a Ilha, fundeando para dentro do Rapa. No dia 23 para 24, Zeballos saltou em Canavieiras com toda a força de desembarque, sem que nenhum dos fortes da barra do norte o hostilizasse”.
O poeta, impiedoso, segue o relato: “Em poucas horas então todo o exército (lusitano), que montava a três mil homens (infantaria, cavalaria e artilharia), passou o Estreito, na direção de São José, em desastrosa corrida. O povo do Desterro, como o dos lugares em volta, sentindo-se abandonado e inerme, lançou-se igualmente, em êxodo tumultuoso, no coice dos fugitivos. Era um espetáculo desolador: senhoras e crianças correndo, aos gritos e como loucas, pelas estradas e atalhos, presas de um pânico terrível”.
Nesse êxodo tumultuoso estavam os açorianos que trabalhavam nas primeiras armações de baleias de Santa Catarina, ambas em território invadido pelos espanhóis: a Armação da Piedade, na atual Governador Celso Ramos; e a Armação da Lagoinha, na praia que hoje se chama – não por acaso – de Armação, no sul da Ilha de Florianópolis. Desfeitas essas duas armações, um outro local deveria sediar o empreendimento baleeiro catarinense.
A vila de Itapocorói, onde a Capela de São João Batista já se erguia como símbolo do domínio português e católico, foi o lugar escolhido. Em 1777 nasce a Armação do Itapocorói. É, de fato, um ano decisivo: talvez o mais importante na história da minha terra natal.
Meus avós, em 1777, estão mais circunscritos do que jamais estiveram. São açorianos. São netos de bandeirantes com sangue carijó. São em todo caso portugueses e trabalhadores da grande armação baleeira do Império golpeado pela esquadra espanhola.
Um ano depois da invasão, a Espanha retirou-se. Sob a luz de Santo Ildefonso, os Impérios ibéricos entenderam-se. Santa Catarina jamais deixaria de ser portuguesa – até que um Imperador português, às margens do Rio Ipiranga, bradasse as palavras célebres (e cínicas). Aqui, na bela enseada, muita baleia foi caçada e muito dinheiro verteu para os donos da Armação e para a lusitana Coroa. Meus avós seguiram sempre pescadores e pobres. Sempre portugueses e depois brasileiros. E sempre aqui, amantes deste lugar.
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