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Da ‘ideia ruim’ ao ícone

Da ‘ideia ruim’ ao ícone

“Stan, essa foi a pior ideia que eu já ouvi”. Dessa forma Stan Lee foi recebido no escritório de seus editores ao apresentar a ideia de um super-herói que teria poderes de Aranha, seria adolescente e viria a conviver com problemas pessoais em suas histórias. O episódio que fez Stan Lee sair daquele escritório com o “rabo entre as pernas” aconteceu em 1962 e foi narrado pelo próprio criador desse que se tornou um dos personagens mais influentes da cultura pop, em um discurso na Universidade da Califórnia (UCLA), em 2017. Quase 60 anos depois, esse mesmo personagem encerra sua terceira trilogia nos cinemas, reafirmando o posto de um ícone que ultrapassou – há tempos- o universo dos quadrinhos.

‘Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa’ estreou nos cinemas brasileiros na última quinta, batendo recordes já em sua pré-estreia e se tornando a quarta melhor estreia de um filme em solo nacional. Apostando em uma alternativa nova para o cinema, mas já antiga nos quadrinhos: o multiverso (teia de realidades paralelas do Universo Cinematográfico Marvel, o MCU), o terceiro filme em que o Aranha é interpretado por Tom Holland foi alvo de muita expectativa, o famoso ‘hype’, por parte dos fãs e do público em geral.

Com os olhos de hoje, chega a ser engraçado pensar que a ideia trazida por Stan Lee aos seus editores em parecia ruim. Mas ainda segundo Lee, o editor Martin Goodman apresentou alguns pontos para sustentar a negativa: “Em primeiro lugar, as pessoas odeiam aranhas, então você não pode chamar um livro de Homem-Aranha. Em segundo lugar, ele não pode ser um adolescente. Os adolescentes só podem ser ajudantes e, em terceiro lugar, ele não pode ter problemas pessoais se ele deveria ser um super-herói. Você não sabe o que é um super-herói?”. Apesar das aspas fortes, o editor permitiu que Spider-Man entrasse na revista Amazing Fantasy, que na época estava em decadência pelas poucas vendas. O personagem finalizado com contribuições essenciais de Steve Ditko, apareceu pela primeira vez justamente naquele que seria o último número da revista, não fosse o sucesso absoluto do Aranha.

Tornando-se um dos grandes sucessos da Marvel já em seus primeiros meses, o herói “vivido” por Peter Parker logo ganhou uma revista solo. Por ser um dos personagem com enredo mais próximo da realidade de seus leitores, era extremamente fácil se ver em Parker: um jovem órfão que ainda estava no ensino médio, morava com sua tia e enfrentava problemas ao conciliar sua vida pessoal com as responsabilidades de um super-herói. A proximidade entre Parker e o jovem norte-americano médio ajudou a criar uma relação público-personagem nunca antes vista com outros heróis.

Reflexo disso foi o resultado de uma pesquisa de 1965 da revista Esquire em campi universitários, onde estudantes colocaram o Aranha junto de Bob Dylan e Che Guevara, como seus ícones revolucionários favoritos. A influência era tão grande, que fez com que o governo Nixon buscasse Lee para escrever histórias onde o Spider lutasse não apenas contra vilões, mas também contra as drogas. O que realmente aconteceu em enredos com claras mensagens antidrogas nos quais Parker enfrenta o Duende Verde, pai de seu melhor amigo, Harry Osborn, que se torna um viciado em pílulas.

Após décadas de sucesso absoluto nos mais diversos meios, o Aranha ainda viveria o desafio transportar sua história para os cinemas. Em três trilogias distintas, o icônico personagem já foi interpretado por Tobey Maguire, Andrew Garfield e mais recentemente por Tom Holland. As duas primeiras deixaram a desejar para a crítica e público (apesar de consagrar Tobey Maguire como o Homem-Aranha definitivo por muito tempo), com a terceira se tornando um sucesso incontestável. Nessa jornada pelas telas, vale também ressaltar o aclamado “Homem-Aranha no Aranhaverso”, animação de 2018, que reúne várias versões do herói. O longa também ganhou destaque por apresentar ao grande público Miles Morales: um Homem-Aranha negro do Brooklyn que assume o posto após a morte de Peter Parker.

Tobey Maguire protagonizou a primeira trilogia de Homem Aranha. Apesar de ter sido considerado “velho demais” para o papel, tem o carinho dos fãs até hoje.

A explicação para as três versões envolve a disputa pelos direitos da criação de Stan Lee. Enquanto os heróis consagrados em filmes recentes da Marvel pertencem à Disney, como Capitão América e Homem de Ferro, o Aranha pertence à Sony. O responsável pelo imbróglio é o próprio Lee, que vendeu os direitos de Peter Parker para a empresa nos anos 90. Até por isso, o personagem ficou de fora de alguns dos filmes iniciais dos Vingadores, existindo em um “mundo paralelo” sem a existência dos outros heróis. Mas um acordo entre Sony e Disney em 2015 possibilitou o encontro de Parker com seus já conhecidos colegas dos quadrinhos, dando origem a mais recente trilogia, onde o Aranha é introduzido ao MCU.

O mais novo intérprete do cabeça de teia nos cinemas é também aquele que mais se parece com o dos quadrinhos. Holland faz o papel do típico nerd do ensino médio, sem grandes atributos físicos, assim como aqueles que lá na década de 60 já se identificavam com o personagem. Ainda que recém lançado, a recepção do público e da crítica são bons indicadores do sucesso que consagra mais uma vez aquela “ideia ruim” de Stan Lee. Sobre isso, o próprio escritor que nos deixou em 2018 alerta naquele mesmo discurso na UCLA: “Se você tem uma ideia e pensa genuinamente que ela é boa, não deixe algum idiota convencê-lo a desistir”

Gabriel Oliveira

Futebol brasileiro e mundial em textos com opinião, fatos e dados.

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