Opinião

Danilo Otoni: É a história que adora uma repetição

Danilo Otoni: É a história que adora uma repetição
Reprodução filme Os Demônios (1971)

Definitivamente, o mundo anda em círculos. Não estaticamente, pois o componente tempo é primordial, mas quase como um espiral em movimento. Digo isso porque volto à França do século XVII, mais precisamente em 1632, numa pequena cidade chamada Loudun, pouco tempo após a paz estabelecida depois da guerra das religiões (uma série de oito conflitos entre católicos e protestantes que devastaram o reino francês na segunda metade do século XVI). Loudun, embora atormentada pela peste, tornou-se um oásis de paz religiosa, pois o rei Luís XIII concedeu à cidade permissão para autoadministrar-se e construir altas e simbólicas muralhas.

O responsável pela paróquia local era o padre Urbain Grandier, um homem que possuía boas ligações e tinha, ainda, grande importância no círculo político. Além disto, ele era considerado bastante atraente e deliberadamente contra o celibato, cortejando e consumando o ato sexual com diversas jovens da cidade. Como uma espécie de prefeito do local, Grandier era honesto, justo e defensor da boa convivência, tanto que encarou Jean de Laubardemont, um nobre que fora à Loudun a pedido do poderoso cardeal Richelieu para explodir as muralhas da cidade. Grandier chamou a “polícia” local e expulsou Laubardemont, falando que as muralhas só seriam destruídas com o aval escrito do rei. Pronto, a partir deste episódio, o cardeal e seu servo decidiram acabar, literalmente, com o padre conquistador.

Na cidade havia um convento de freiras da Ordem de Santa Úrsula, cuja madre superiora, Jeanne des Anges, era parente de Jean de Laubardemont. Assim, este sugeriu-se ao padre Mignon, confessor das freiras, ouvir a madre que, para pseudo-surpresa geral, disse sonhar eroticamente com o padre Grandier. Logo, todo o clero envolvido afirmou se tratar de uma possessão demoníaca que tomara conta do corpo de Jeanne. E que Grandier era o responsável por isso. Então convocaram o padre Pierre Barre, especialista em exorcismo, para expulsar os demônios da madre.

Barre utilizava instrumentos para dor a fim de buscar a confissão de Jeanne. Uma freira, ao ver o flagelo da companheira, partiu pra cima do padre tentando parar o ato brutal. Assim, todas as demais freiras também não se contiveram e criaram uma pândega generalizada por causa do sofrimento da irmã. Os padres logo concluíram que a possessão demoníaca havia tomado conta de todas as ursulinas de Loudun. E prenderam, julgaram, condenaram e mataram Urbain Grandier baseado apenas nas palavras proferidas pelas freiras, na quase totalidade das vezes, sob pressão psicológica e física dos padres. Ou seja, conseguiram o que queriam apostando apenas nas mentiras.

Este fato ocorreu há quase quatrocentos anos mas a síntese do tempo parece brincar com o brasileiro. Qualquer semelhança não é mera coincidência, é a história se repetindo como farsa. Aldous Huxley escreveu um livro sobre o tema em 1952, chamado ‘Os Demônios De Loudun’, que serviu de base para o filmaço OS DEMÔNIOS (1971), do extravagante e polêmico diretor britânico Ken Russell. Numa pressão gigantesca para confessar o inconfessável que poderia salvá-lo da execução, o padre Gandrier preferiu a verdade e soltou uma fala que soa impávida, ou melhor, como a bruta essência da resistência: “Eis a nova doutrina que é o trabalho de homens que não se preocupam com os fatos, nem as leis, nem a teologia, mas uma experiência política que mostra como a vontade de um só homem pode ser usada para destruir não só um outro homem ou uma cidade, mas uma nação.”

Bastante familiar, né? Só faltou combinar com o povo.

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