O cinema, assim como toda arte, tem o poder de nos surpreender e se reinventar. Passando a vista num catálogo de “filmes B”, interessei-me por um falso documentário belga de 1992 chamado ACONTECEU PERTO DA SUA CASA, dirigido e roteirizado por Rémy Belvaux, André Bonzel e Benoît Poelvoorde. Este, o idealizador por trás do produto e personagem principal do mockumentary (assim são chamados os falsos documentários), um ladrão e serial killer violento, racista, xenófobo, misógino e, paradoxalmente, bastante culto e simpático.
Bom frisar que este filme é, na verdade, o resultado do TCC dos diretores, estudantes de cinema à época. E que basearam num programa televisivo da Bélgica denominado ‘Strip Tease’, cujo mote era desnudar a vida íntima de um cidadão comum.
Pois bem, o que mais me impressionou não foi a concepção ou edição final (relativamente precários, de certo modo). Mas as ideias desenvolvidas num período em que não se imaginava o entretenimento de cenas fortes e chocantes como produto a ser consumido. Ou seja, a espetacularização da violência ajudando a criar novos falsos ídolos apenas por exibir o instinto mais primitivo do ser humano, como, por exemplo, querer a vingança apenas por querer, pelo achismo, pelas fakes news.
Ao caricaturar a vida como uma coisa banal e descartável, Ben, o assassino que nos ensina a desovar um corpo sem deixar rastro, dá um soco no estômago da sociedade bem mais preocupada com a grama do vizinho do que com os atos acontecendo próximo da sua casa. Pois, como profetizava Raulzito na clássica ‘Eu Também Vou Reclamar’, de que adianta ter gelo em Marte se, no entanto, não há galinha em meu quintal? Portanto, foi preciso resgatar um falso documentário da vida real pra ensejar o consciente coletivo de muitos e demonstrar os desejos mais ocultos de um mundo cada vez mais individual e, consequentemente, solitário.
E, assim, retorno desejando um excelente 2022 a todos! Cheio de arte, cultura e muitos filmes para nos conectar, entreter, emocionar e fazer pensar, sempre em busca de uma sociedade mais harmoniosa, igualitária e com espaço para os iguais e os diferentes. Que venham coisas boas!
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