Há uma enorme dificuldade em qualificar, filosoficamente, a engrenagem da arte popular. Os blackbusters movies, aqueles filmes bem sucedidos tanto em audiência quanto financeiramente, são um exemplo prático da linhagem esquizofrênica do casal brigão Indústria Da Informação e Indústria Do Entretenimento. Até onde vai a massificação intelectual de uma arte? Toda cultura precisa ser levada a sério? Qual o problema em usar o cinema apenas como diversão sem profundidade? Eis a insustentável leveza de um ser cultural.
Há poucos dias resolvi rever a filmografia do personagem fictício Jason Bourne, criado pelo escritor estadunidense de suspense e romance de espionagem Robert Ludlum. Ao mesmo tempo em que me divertia, alguns trechos me indagavam. Pois toda obra está ligada, em linhas gerais, ao panoptismo existente hoje nas relações sociais virtuais, principalmente.
A INDENTIDADE BOURNE (2002), de Doug Liman, abre a saga com excelência, inteligência e sofisticação. Entrega um protagonista interessante e mantem a tensão em todo o filme. Além de dar a primeira porrada nas agências secretas governamentais espalhadas pelo mundo. Depois temos A SUPREMACIA BOURNE (2004), de Paul Greengrass, que consegue elevar a história e levar o realismo das cenas de ações aos olhos do espectador, seja com a câmera de mão do diretor ou com as suas tremidas necessárias nas movimentações exageradas.
O ULTIMATO BOURNE (2007), também de Paul Greengrass, é a cereja do bolo (incrível como cada episódio supera o antecessor). Aqui, os suspenses policiais e de espionagem se misturam com o drama metafísico do protagonista que deseja, a todo custo, rememorar a sua história. O fator inteligência é tão importante quanto as cenas de ação, pois ambos se apoiam e produzem um thriller empolgante e imparável. Moderna, ágil e muito bem realizada, é uma obra indispensável aos cinéfilos de todos os estilos.
Já O LEGADO BOURNE (2012), de Tony Gilroy, sem Matt Damon como Jason Bourne e oferecendo Jeremy Renner como o agente Aaron Cross, é o famoso zero à esquerda. Totalmente irrelevante e um anticlímax pós ‘Ultimato’. Ao menos tem uma história interessante apesar do fraco argumento. Talvez, por isso, foi preciso trazer novamente Paul Greengrass pra dirigir JASON BOURNE (2016), o último longa da série que, deliberadamente, exclui seu antecessor já no primeiro ato. Neste filme, o mundo da espionagem vive uma nova era após os episódios Wikileaks e Edward Snowden, onde privacidade vira sinônimo de liberdade. Ademais, a CIA prepara o lançamento de um novo programa secreto de vigilância ao lado do dono de uma gigantesca rede social. Porém, depois de tanto sofrimento, Bourne está cansado e precisa de sossego, principalmente de Hollywood.
E é com este apelo que a antológica série se despede das telonas, torcendo pra não virar um descartável produto de massa. As mensagens que se espalham para além do que se veem serão bem mais aproveitadas, tanto como informação quanto como entretenimento, os verdadeiros pais de Jason Bourne.
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