Se o rock ‘n’ roll fosse uma pessoa, hoje seria seu aniversário. Um falso aniversário: o “dia mundial do rock” remonta ao festival “Live Aid”, realizado nesta data em 1985, bem após do nascimento do gênero musical. Mas ainda assim podemos celebrá-lo como se fosse um aniversário: na falta de uma data de nascimento exata, pode-se muito bem convencionar esta.
Falando em convenções, especialmente sobre o rock ‘n’ roll, há uma outra bem estabelecida. É sobre sua paternidade. Sem maiores discordâncias, costuma-se atribuí-la ao primeiro grande guitarrista – de rock! – da história: Chuck Berry. Em 1955, três décadas antes do “Live Aid”, ele concebeu aquele som que… enfim, você sabe: o som, o ruído, o transe.
Desde então seu ‘filho’ cresceu e fez um sucesso imenso. Chuck, que morreu em 2017, pôde acompanhar grande parte dessa trajetória. Agora, desde sua morada eterna, ele nos concede essa simpática entrevista. Você talvez não a considere assim tão simpática. Nem mesmo acreditará que se trata de uma entrevista. Mas, enfim, isso aqui é sobre o rock ‘n’ roll, baby. Então tudo é permitido.
Abertura: Chuck, você é de fato o pai do rock?
CB: Mais ou menos. Antes de mim houve Muddy Waters e Fats Domino. Antes deles, havia aquelas sessions com Dizzy, Monk, Mingus e Max Roach. Enfim, o negócio tava no ar…
A: E Elvis?
CB: Elvis era um chato de galocha. Racistinha topetudo. Bem disse o Quincy Jones.
A: Há muito racismo no rock?
CB: Muito. O rock é invenção dos negros mas só se popularizou quando virou um produto dos brancos.
A: Fala de Beatles, Stones?
CB: E de Clapton, Birds, Beach Boys… todos playboyzinhos…
A: Não gosta da música deles?
CB: Tá brincando? Adoro!
A: Mas parece que você…
CB: Não, não! São grandes gênios. Todos. E também os hippies que vieram depois, Doors, Joplin…
A: Hendrix…
CB: O maior de todos!
A: O maior o quê?
CB: Guitarrista.
A: E Eric Clapton? E Jimmy Page? E Santanna?
CB: Todos muito bons. Mas não tanto quanto ele. Gosto também do Robert Fripp.
A: O quê? Rock progressivo? Definitivamente não é sua cara!
CB: Gosto muito. De todo esse rock dos fins dos anos 60 até os fins dos 70. Jethro Tull, King Crimson, Soft Machine…
A: Sem contar Deep Purple, Black Sabbath e Led Zeppelin…
CB: Essas três bandas resumem uma era. Junto com o ACDC, claro.
A: Quando foi que essa era acabou?
CB: Boa pergunta. Acho que foi no CBGB.
A: Você não gosta de punk, né?
CB: Gosto muito. Ouço Ramones enquanto os anjinhos fazem concerto de harpas. Quando toca Bad Religion, canto junto.
A: Tá brincando? E do pós-punk, gosta também?
CB: Recito os poemas de Ian Curtis pro São Pedro.
A: Fala sério!
CB: Juro! Adoro! De Billy Bragg ao Police, passando por Joy Division e Smiths, gosto de tudo.
A: Duvido que você gosta do Morrissey.
CB: Assim como o Clapton, é um imbecil. Mas também é um gênio capaz de dizer coisas na lata!
A: Falando em lata, gosta de metal?
CB: Muito! Iron, Metallica, Slayer…
A: E de Nirvana?
CB: Não gosto: venero.
A: Por quê?
CB: Eles dobraram a esquina. Viram o novo horizonte. Mudaram a história.
A: E o que foi essa história desde então?
CB: Boa pergunta. Há o Oasis, o Radiohead, a Bjork.
A: Isso aí já é outra coisa, outra música. Ainda é rock?
CB: Claro! Daí vieram a PJ, os Strokes, os Arctic Monkeys…
A: E o rock fora do eixo UK-USA?
CB: O mundo todo faz um rock sensacional. A América Latina, em especial. O Brasil, então, nem se fala. Já houve alguma banda melhor que os Mutantes?
A: Toda essa história não tá muito branquela, não? E os negros?
CB: O rock é negro, cara! E ainda houve James Brown, Michael Jackson, Prince, Ben Harper…
A: Não dá pra lembrar de todo mundo, né?
CB: Não mesmo.
A: Responda numa palavra…
CB: Bora!
A: Um marco?
CB: Woodstock.
A: Um trauma?
CB: Lennon.
A: Uma emoção?
CB: Aretha.
A: O futuro?
CB: Não posso dizer nada sobre isso: Ele me proibiu…
(Risos. Som de harpas angelicais. E, de repente, Ramones.)
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