Wagner Rengel: Estranho do espelho

Wagner Rengel: Estranho do espelho

Mas quem se encontra, nunca mais se perde
Quem busca a si mesmo, encontra um estranho
O estranho é um espelho, uma imagem invertida

Foi o que restou e me vi hoje com a barba por fazer
Fiz.

Senti a lâmina deslizar na pele úmida e escorregadia
Os pelos se acumulam nas frestas do aparelho
Eu cortado fui embora pelo ralo
Restos.

Ando quieto 
Estranho.

Um dia me disseram que o samba tem o compasso no silêncio do surdo
Achei lindo
No intervalo do toque está o tempo
Tum, silêncio, tum, silêncio.

O espelho me mostra uma imagem de mim que não conheço
Senão pela voz do outro.

O outro me diz quem sou
Mais do que eu sei.

Essa voz de fora alcança o estranho
Torre de Babel.

Ninguém se entende
Nem eu.

Tudo bem
Lacunas necessárias de silêncios temporais.

Nos buracos as águas param
Fazem espelhos
A gente dança nas bordas.

Sem vazios 
É nada
E só que se salve o samba.

Faz mais de um ano que não vou ao barbeiro
Cortei meu cabelo duas vezes aqui, diante deste espelho
Puxava as pontas e ia metendo a tesoura
Foi assustador e divertido.

O estranho ali do espelho me disse que tá,
Ficou bom.

Acho que nunca mais volto ao barbeiro
O estranho que disse
Não eu.

Wagner Rengel

Wagner Rengel quis ser silêncio depois pássaro depois peixe depois vento depois grilo quis ser gente depois nada. Mora em Curitiba.

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