Celso Furtado, no seu Formação Econômica do Brasil, registrou o processo histórico de constituição da economia brasileira: nos mais de quinhentos anos que se seguiram à apropriação das terras brasileiras pelos portugueses, a atividade agropecuária direcionada ao mercado internacional sempre teve papel de destaque. Monoculturas como a da cana de açúcar, entre os séculos XVI e XVIII, e a do café, a partir do século XIX, são exemplos de grandes empreendimentos agrícolas brasileiros levados a efeito com foco nas demandas externas.
Após um período de crescimento da indústria nacional verificado no século passado, o setor agropecuário voltou a ter protagonismo. Atualmente, enquanto parcela considerável do setor industrial definha – a indústria, que nos meados dos anos 1980, era responsável por metade do PIB nacional, representou, em 2020, apenas um quinto -, o denominado agronegócio avança. O presidente da República, Jair Bolsonaro, em recente discurso que marcou a abertura do ano legislativo no Congresso Nacional, afirmou que o setor é a “locomotiva da economia”. Os dados econômicos recentes, de fato, impressionam.
Se comparado ao de 2019, o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro registrou queda de 4,1% em 2020, sob forte influência da pandemia de COVID-19. O tombo econômico só não foi maior devido aos expressivos resultados alcançados pelo agronegócio. Apuração conjunta realizada pelo CEPEA (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da ESALQ/USP, e pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), revelou que o PIB do setor registrou avanço recorde de 24,31% em 2020, passando a representar 26,6% do PIB brasileiro.
O sucesso econômico do agrobusiness nacional não pode ser desprezado. Há, porém, outras questões que merecem reflexão. Deve-se considerar que o PIB é insuficiente para servir como índice de bem-estar e desenvolvimento de um país. É que o PIB de um país pode ser elevadíssimo, mas beneficiar economicamente apenas alguns poucos, não conduzindo, necessariamente, a uma situação de aumento da empregabilidade da população ou de redução das desigualdades sociais. O produto interno bruto nacional, ainda que porventura bata sucessivos recordes, pode ter como lastro atividades econômicas ambientalmente insustentáveis e, bem por isso, prejudiciais às atuais e futuras gerações. O caso do agronegócio é emblemático.
O fato de o PIB do setor ter tido um expressivo aumento em pleno ano pandêmico não significou mais vagas de trabalho. Pelo contrário: a população ocupada no agronegócio somou 17,3 milhões de trabalhadores, queda de 5,2% em relação a 2019, segundo o antes referido CEPEA, da ESALQ/USP. O extraordinário resultado econômico do agronegócio parece também não ter facilitado o acesso da população brasileira à alimentação, que tem sofrido em virtude do aumento generalizado dos preços dos alimentos no mercado interno, o que possivelmente contribuiu para o recentemente noticiado agravamento da insegurança alimentar dos brasileiros.
Diante da disparada dos preços dos alimentos é curioso que a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA mantenha em seu site a seguinte – digamos – informação: “Produzindo cada vez mais, o Agro brasileiro reduziu drasticamente o preço da alimentação, melhorando a saúde e qualidade de vida da população urbana”. Não é, provavelmente, o que constatam diariamente os brasileiros que frequentam os supermercados e, por certo, a conclusão do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística – IBGE, entidade responsável por medir o IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo. No dia 12 de janeiro deste ano o IBGE divulgou a seguinte notícia: “No ano passado, a alta de 14,09% nos preços de alimentos e bebidas pesou no bolso dos brasileiros”.
Outro aspecto, agora diverso das questões econômicas e sociais, que igualmente não é passível de ser depreendido do PIB tem a ver com as externalidades negativas ambientais, que são os efeitos negativos decorrentes da devastação da natureza sentidos por terceiros alheios aos agentes econômicos beneficiados.
Exemplo disso é a produção de soja Brasil, que enseja prévio – e por vezes – ilegal desmatamento de grandes áreas. Estudo divulgado pela revista científica Science no ano passado indica que 20% da soja brasileira produzida na Amazônia e no Cerrado e exportada para a União Europeia (UE) saíram de áreas de desmatamento ilegal. Só no Estado do Mato Grosso, segundo o El País, as plantações – não necessariamente ilegais, mas certamente sucessoras de densas florestas tropicais – ocupam 38 milhões de hectares, área equivalente à da Alemanha. A utilização intensiva de agrotóxicos nessa cultura agrícola também é outro fato preocupante sob o ponto de vista de proteção ambiental. Larissa Mies Bombardi, pesquisadora da USP, autora do atlas intitulado Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, informa que o cultivo da soja é destinatário de mais de metade do volume de agrotóxicos utilizados no Brasil.
Ambos, o desmatamento e o uso intensivo de produtos químicos na agricultura, prejudicam a todos. Contribui o primeiro para a emissão de gases de efeito estufa. O uso intensivo de agrotóxicos, além de impactar na saúde humana, compromete o equilíbrio ambiental, acarretando a contaminação dos solos e dos recursos hídricos. O PIB não computa esses prejuízos coletivos. Não os deduz do resultado econômico positivo do agrobusiness.
É que o valor do PIB consiste, em suma – e não mais do que isso-, no resultado da soma dos valores finais dos bens e serviços produzidos em determinado local e período. Desconsideram-se, na métrica do PIB, os prejuízos à coletividade decorrentes da atividade econômica.Na contabilidade pibiana, somente oselementos econômica e imediatamente mensuráveis são considerados.
A limitação do mero emprego e da aferição tão-só de números econômicos pode ocultar a realidade, pode nublar o fato de que, parafraseando Eduardo Galeano, o Brasil exporta não só produtos agrícolas, mas também solos, subsolos e florestas.
Jackson Torres. Mestrando em Direito (UFSC). Advogado público federal.
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