(O poema a seguir consta de um livreto em papel rústico escrito à mão, sem título. A letra é fluida, embora miúda e quebradiça. Foi encontrado na área em torno do antigo terminal. Num beco escuro onde girava a luz vermelha duma viatura. Junto ao corpo, num saco de pano com três peças de roupa e uma pequena imagem do Padre Cícero talhada em pedra escura.)
Na sede paroquial
está o Padim Padroeiro
e pela escada central
sobem homens de dinheiro.
Logo abaixo, um degrau,
o prefeito e um embusteiro,
as senhoras do jogral,
as senhoritas de cheiro
e secretários de tal
e qual viés partideiro.
O embusteiro acha mal
que o povo se encoste inteiro
nas costas dum pessoal
tão boçal e altaneiro;
então o policial
como um galo de terreiro
bota ordem no curral
e abre uns metros, ligeiro,
entre o dorso senhoral
e a pança do presepeiro
povo parvo e pastoral
que tem por lema primeiro:
Deus, nem que abaixo de pau!
Entre o povo, no entreveiro,
seguem muitos, seguem mal:
um pedro, um paulo, um terceiro
(instrução: primeiro grau),
um poeta maconheiro,
um pagodeiro metal,
moças que saem do puteiro,
putas que saem no jornal,
homens do Beto Bicheiro,
bichos do Cabo Leal,
um traveco bagaceiro,
um sir com prurido anal,
um exército rasteiro
de vigias da moral,
um sacristão tricoteiro,
um pastor pentecostal,
um trafica trambiqueiro,
um limpa-fossa-fecal,
um preto pobre pedreiro,
um craqueiro terminal –
todos abaixo do ordeiro
grupo mais trivial:
cada dama e cavalheiro
da classe-média-mensal.
E depois do derradeiro
degrau da escada, afinal,
na sarjeta, no bueiro
da Avenida Marechal,
sob os pés do pipoqueiro
me deleito, marginal,
à sombra insã do cruzeiro
da torre da catedral.
(No fim, em nota marginal, estava escrito: “jaraguá, dia de pentecostes, ano 33 da minha era”. Tudo em minúsculas. Sem ponto final.)
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