
Em uma semana escassa de jogos nos principais campeonatos nacionais do velho continente por conta da Data-FIFA, o futebol vive dias agitados. A quinta-feira marcou a definição dos termos da compra do Newcastle United (time da primeira divisão inglesa) pelo PIF, o fundo de investimentos públicos da Arábia Saudita. A notícia em si não teria nada de tão especial não fosse o contexto da possível aquisição: mais um caso claro de sportswashing envolvendo uma ditadura do mundo árabe e a Premier League, vista como a melhor liga nacional do mundo atualmente.
Se você nunca ouviu o termo ‘sportswashing’, saiba que ele está mais próximo de você do que imagina. A prática consiste em usar a influencia do esporte em mundo cada vez mais globalizado para “limpar” a imagem de governos e ditaduras que escondem violações de direitos humanos e outros abusos. O termo que une as palavras sport (esporte) e wash (lavagem), foi criado por organizações de direitos humanos, e denuncia práticas que tem encontrado terreno fértil em esportes como a Formula 1 e no futebol europeu. Além da injeção de dinheiro e até a compra de clubes por fundos de investimentos ligados à ditaduras, o sportswashing também é feito a partir de patrocínios em camisas de clubes populares e competições de peso, como a Champions League e a Copa do Mundo.
Se muitos torcedores ainda não se deram conta do fenômeno (ou simplesmente o ignoram), as autoridades que regulam o futebol já notaram isso há um bom tempo. Mas mesmo com a pressão das organizações para barrar a entrada de capital externo proveniente de ditaduras espalhadas pelo mundo, as ligas resistem em impedir o volume gigantesco de investimento do exterior. No caso do Newcastle, uma das possibilidades estudadas pela liga inglesa, seria a de tratar o governo saudita e o PIF como duas entidades independentes, mas o fundo de investimento tem como presidente ninguém menos que o príncipe saudita Mohammed bin Salman.
Considerado um ‘gigante adormecido’ do futebol inglês, o Newcastle se tornou a aposta perfeita para o governo saudita, em um movimento que não visa o retorno financeiro, mas de imagem. Em termos econômicos, o clube não promete render nada parecido com os retornos da exploração do petróleo, que fundamenta a economia do país. Mas dinheiro certamente não é o problema para o fundo que detém $434 bilhões, muito mais do que qualquer outro magnata do mundo do futebol. De quebra, dá ainda mais legitimidade à governos como o da Arábia Saudita, famosos pela fortuna e pelas violações de direitos humanos. Longe da realidade saudita, cerca de 94% dos torcedores do Newcastle aprovam a compra do time pelo PFI e veem na aquisição a oportunidade de se livrar de seu dono atual, o bilionário Mike Ashley. O empresário do varejo esportivo, é também conhecido como o homem mais odiado do futebol.
Com a injeção de dinheiro saudita, podemos ter um novo rico no patamar de clubes como Paris Saint-Germain, Chelsea, Manchester City, e Bayern de Munique. Algo que torna o futebol menos imprevisível e gera um claro desequilíbrio entre as forças do esporte.
Há tempos o futebol é também sobre dinheiro, mas isso nunca esteve tão evidente.
Para quem acompanha o futebol internacional, o sportwashing salta diante dos olhos. Entre os casos mais famosos estão o de dois gigantes recentes do esporte: Manchester City (Inglaterrra) e PSG (França). O primeiro faz parte do City Group e é propriedade de Mansour Bin Zayed Al Nahyan. O sheik é membro da família real dos Emirados Árabes e integra o alto escalão do país do Oriente Médio. Com uma fortuna construída a partir do petróleo, Mansour Bin Zayed promoveu o Manchester City à protagonista no futebol inglês. Três dos últimos 4 títulos da Premier League foram vencidos pela equipe treinada por Pep Guardiola.
Já o clube francês é propriedade da Qatar Sports Investment (QSi), parte de um fundo de investimento qatari que tem como CEO o emir do Qatar Tamim bin Hamad Al Thani. Após a compra do clube francês pelo QSi em 2012, a equipe passou a dominar o cenário nacional e figura sempre entre as favoritas ao título europeu. Tem hoje o elenco mais estrelado do mundo, contando com Messi, Mbappé e Neymar.

Outro exemplo figura mangas da camisa do Arsenal, que estampa a frase “visit Rwanda”. O país da África Oriental que apresenta paisagens naturais deslumbrantes tem um governo envolto de acusações de perseguição e até execução de críticos (é possível conferir em mais detalhes no fio do link abaixo).
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