Na embaixada da Arábia Saudita em Washington DC, protestante usa máscara do príncipe Mohammed bin Salman com sangue nas mãos, em referência ao assassinato do jornalista Jamal Khashoggi por parte do governo saudita em 2018. Foto: Jim Watson | AFP
Fundo de investimento ligado à ditadura saudita se aproxima da compra o Newcastle United em mais um exemplo do uso do futebol para influência internacional
Em uma semana escassa de jogos nos principais campeonatos nacionais do velho continente por conta da Data-FIFA, o futebol vive dias agitados. A quinta-feira marcou a definição dos termos da compra do Newcastle United (time da primeira divisão inglesa) pelo PIF, o fundo de investimentos públicos da Arábia Saudita. A notícia em si não teria nada de tão especial não fosse o contexto da possível aquisição: mais um caso claro de sportswashing envolvendo uma ditadura do mundo árabe e a Premier League, vista como a melhor liga nacional do mundo atualmente.
Se você nunca ouviu o termo ‘sportswashing’, saiba que ele está mais próximo de você do que imagina. A prática consiste em usar a influencia do esporte em mundo cada vez mais globalizado para “limpar” a imagem de governos e ditaduras que escondem violações de direitos humanos e outros abusos. O termo que une as palavras sport (esporte) e wash (lavagem), foi criado por organizações de direitos humanos, e denuncia práticas que tem encontrado terreno fértil em esportes como a Formula 1 e no futebol europeu. Além da injeção de dinheiro e até a compra de clubes por fundos de investimentos ligados à ditaduras, o sportswashing também é feito a partir de patrocínios em camisas de clubes populares e competições de peso, como a Champions League e a Copa do Mundo.
Se muitos torcedores ainda não se deram conta do fenômeno (ou simplesmente o ignoram), as autoridades que regulam o futebol já notaram isso há um bom tempo. Mas mesmo com a pressão das organizações para barrar a entrada de capital externo proveniente de ditaduras espalhadas pelo mundo, as ligas resistem em impedir o volume gigantesco de investimento do exterior. No caso do Newcastle, uma das possibilidades estudadas pela liga inglesa, seria a de tratar o governo saudita e o PIF como duas entidades independentes, mas o fundo de investimento tem como presidente ninguém menos que o príncipe saudita Mohammed bin Salman.
Considerado um ‘gigante adormecido’ do futebol inglês, o Newcastle se tornou a aposta perfeita para o governo saudita, em um movimento que não visa o retorno financeiro, mas de imagem. Em termos econômicos, o clube não promete render nada parecido com os retornos da exploração do petróleo, que fundamenta a economia do país. Mas dinheiro certamente não é o problema para o fundo que detém $434 bilhões, muito mais do que qualquer outro magnata do mundo do futebol. De quebra, dá ainda mais legitimidade à governos como o da Arábia Saudita, famosos pela fortuna e pelas violações de direitos humanos. Longe da realidade saudita, cerca de 94% dos torcedores do Newcastle aprovam a compra do time pelo PFI e veem na aquisição a oportunidade de se livrar de seu dono atual, o bilionário Mike Ashley. O empresário do varejo esportivo, é também conhecido como o homem mais odiado do futebol.
Newcastle United fans are celebrating in the streets 🎉
Torcedores comemoram o fim da era Mike Ashley nas ruas de da Inglaterra.
Com a injeção de dinheiro saudita, podemos ter um novo rico no patamar de clubes como Paris Saint-Germain, Chelsea, Manchester City, e Bayern de Munique. Algo que torna o futebol menos imprevisível e gera um claro desequilíbrio entre as forças do esporte.
Há tempos o futebol é também sobre dinheiro, mas isso nunca esteve tão evidente.
Outros casos recentes
Para quem acompanha o futebol internacional, o sportwashing salta diante dos olhos. Entre os casos mais famosos estão o de dois gigantes recentes do esporte: Manchester City (Inglaterrra) e PSG (França). O primeiro faz parte do City Group e é propriedade de Mansour Bin Zayed Al Nahyan. O sheik é membro da família real dos Emirados Árabes e integra o alto escalão do país do Oriente Médio. Com uma fortuna construída a partir do petróleo, Mansour Bin Zayed promoveu o Manchester City à protagonista no futebol inglês. Três dos últimos 4 títulos da Premier League foram vencidos pela equipe treinada por Pep Guardiola.
Já o clube francês é propriedade da Qatar Sports Investment (QSi), parte de um fundo de investimento qatari que tem como CEO o emir do Qatar Tamim bin Hamad Al Thani. Após a compra do clube francês pelo QSi em 2012, a equipe passou a dominar o cenário nacional e figura sempre entre as favoritas ao título europeu. Tem hoje o elenco mais estrelado do mundo, contando com Messi, Mbappé e Neymar.
Sheik aparece junto do técnico Pep Guardiola (Reprodução Manchester City)
Outro exemplo figura mangas da camisa do Arsenal, que estampa a frase “visit Rwanda”. O país da África Oriental que apresenta paisagens naturais deslumbrantes tem um governo envolto de acusações de perseguição e até execução de críticos (é possível conferir em mais detalhes no fio do link abaixo).
Talvez você tenha visto que, essa semana, Paul Rusesabagina, cuja vida inspirou o filme Hotel Ruanda, foi condenado no país a 25 anos de prisão por terrorismo, num processo bastante controverso.
O governo de Ruanda, um dos países mais pobres do mundo, é patrocinador do Arsenal. pic.twitter.com/XD7wXZTjrz
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