Arte

No Abismo

No Abismo
(Arquivo Pessoal)

Ah, saco!

Não consigo parar aqui e escrever. 

Mexo no celular, levanto, vou ver o pão que nem com reza neste frio cresce, volto, mudo a música, abro o celular de novo, abro a tela que tem uma página quase branca com uma frase, ‘a folha branca é uma abismo sem borda alguma’, recuo de novo, é sim um abismo, tento tocando o teclado, o branco me cega e pisco, penso em qual pessoa vou escrever, em segunda apontando o dedo, em terceira que só conheço de vista, em primeira estou em casa que não é minha e me estranho, titubeio e sinto os dedos ali todos a postos sensíveis sobre letras esperançosas, ouço a música Vaca Profana ‘Respeito muito minhas lágrimas Mas ainda mais minha risada Inscrevo, assim, minhas palavras Na voz de uma mulher sagrada’ e está mais frio lá fora, Caetano é um gigante, penso em meio a palavrões, levanto, sinto uma leve tontura, é um abismo mesmo e tenho medo, o que acontece quando a gente cai, eu primeira, segunda, terceira pessoa em mim, eu na frente é coragem, recuo um pouco, mais, um pouco mais e embalo sem jeito, sem estilo, sem certeza, sem nada, só eu e tu me olha e ele me olha, toco a primeira tecla com o mindinho esquerdo e lembro que fiz datilografia, era de seis meses, demorei um ano e meio, Ah, saco! Não consigo parar aqui e escrever. Mexo no celular, levanto, vou ver o pão e a folha branca é um abismo sem borda alguma.

Voimer Cataneo

Voimer é apaixonado por música e futebol. Mora em Florianópolis.

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