(Em março de 1980 Bob Marley passou uns dias no Brasil. Não fez shows nem teve outros compromissos musicais. Mas participou de um evento que entraria pra história: um jogo de futebol. Disputado no campo do Politheama, time (de pelada) do Chico Buarque, o jogo foi épico. Marley jogou no selecionado composto por grandes nomes da música e do futebol brasileiros: Vergueiro, Toquinho, Moraes, Mesquita, Caju e o próprio Chico. O adversário, por sua vez, tinha uma escalação obscura.
Exceto por algumas fotos sacadas após o apito final, não há registros do jogo. Ou melhor: pensava-se que não havia. A Abertura teve acesso a uma fita cassete que resgata alguns poucos minutos da peleja. Nela ouvem-se três vozes: as de um narrador, um comentarista e um repórter – identificados abaixo pelas iniciais: V, S e H. São três amigos, cuja identidade preservaremos, que de alguma forma souberam do evento e, escondidos à beira do campo, registraram a partida num gravador de pilhas. A fita está danificada. As vozes são abafadas por um chiado. Mas alguns poucos minutos, de cristalina nitidez, conseguimos salvar. Segue abaixo a transcrição fiel.)
V: … tem substituição no time dos artistas, Holando?
H: É isso aí, Vítor. Sai Toquinho, entra Evandro Mesquita. Acho que os artistas vão fazer uma blitz no campo do adversário.
V: Como foi a atuação do Toquinho, Serjão?
S: Muito ruim. No início até criou uns bons lances. Depois caiu pela direita e cometeu erros bizarros.
V: Vergueiro recebe a bola do guarda-metas e passa a Moraes na lateral esquerda. O cabeludo faz a finta, livra-se da marcação de Alcagüeta e toca pra Caju na meia-cancha…
H: Como joga bola o PC Caju, ein Victor!
V: Demais! Demais, garotinho! Caju tira a marcação do Reaça com um só toque na bola, dá uma caneta no Careta, que veio na cobertura, e toca a pelota limpinha pro Mesquita…
S: Essa lembrou os tempos dele no Fogão, ein Victor!
V: Também lembrou os tempos dele no Mengão, garotinho! Segue Mesquita com a bola pelo círculo central. Atravessa pro Chico na ponta. O poeta domina, passa por Censura com um drible sensacional…
H: Marley tá pedindo a bola no comando do ataque…
V: Segue o Chico pela esquerda, dá uma meia-lua no General, lança pro Bob…
S: Grande bola!
V: Bob faz a finta, tira o Tio Sam da jogada, vai fazer um golaço, um golaço, um golaço… Gooooooool!
H: Gênio! Gênio! Que golaço!
V: (a voz falhando graças à rouquidão e ao delírio)… uma obra-prima de Bob Marley aqui no estádio do Politheama no Recreio do Bandeirantes! Uma pintura! Um gol de placa! Conta pra nós como foi, Holando!
H: Chico meteu a pelota na medida pro Bob. O goleiro Tio Sam deixou a meta tentando interceptar. Marley, sem tocar na bola, deu uma meia-lua no arqueiro e finalizou. A gorduchinha entrou de mansinho no fundo da rede…
S: Antológico! O gol que Pelé não fez! Um gol de Rei! Do Rei!
V: (a voz quase inaudível) Agora, no placar: Artistas, três; Homens de Bem, zero…
(Tudo mais, na fita cassete, é irreproduzível. O tempo não poupou o material. Por sorte preservou o trecho transcrito – de alto valor, se não jornalístico, onírico. Não podemos garantir que o registro dos três infiltrados – Victor, Holando e Serjão – seja fiel aos fatos; aliás, parecem-nos um pouco exageradas algumas passagens. Mas a crônica musical e esportiva atesta o placar: 3 a 0 para o time de Chico e Bob Marley; e também o gol do astro jamaicano. Foi, provavelmente, um dos últimos de sua vida. Em maio do ano seguinte, 1981, Bob morreria em Miami, aos 36 anos. Esta matéria é nossa homenagem, quando se completam 40 anos de sua morte tão precoce, ao Rei.)
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