Sobre as areias brancas de algum belo balneário do litoral norte catarinense pode se ver um homem idoso respirar tranquilamente. Vindo do Rio Grande do Sul, ele mora em Santa Catarina há anos. Esse homem, Átila Rohrsetzer, foi condenado pelo homicídio de Lorenzo Viñas Gigli. Mas a condenação não abala sua tranquilidade: ele sabe que não sofrerá pena alguma.
Segundo a Justiça italiana, Átila matou Lorenzo em 1980. Este tentava fugir da Argentina, seu país natal, rumo à Itália; ao passar pelo Brasil teria sido preso, torturado e assassinado. Mais de 40 anos depois, o crime deve ser julgado definitivamente até o final do mês.
Segundo declarou ao site Conjur Glenda Mezarobba, cientista política e conselheira do Instituto Vladimir Herzog, o julgamento é emblemático por se tratar de uma rara oportunidade de um acusado de violações de Direitos Humanos durante a ditadura ser julgado. “Ele está sendo julgado na Itália porque o crime foi contra um cidadão ítalo-argentino. É um pouco o que aconteceu — guardadas as devidas proporções — com o [Augusto] Pinochet [ditador]. que não foi julgado no Chile e acabou preso por responder uma ação penal na Espanha quando visitou a Inglaterra”, diz.
Claudia Allegrini, viúva do desaparecido, declarou em entrevista ao El País: “quando o Lorenzo desapareceu, me dividi em duas. Criei minha filha e o busquei”. Ela conta que somente em 1994, catorze anos após a morte do marido, leu o “relato Tolchinsky”; trata-se da transcrição de um depoimento feito pela única pessoa que, tendo presenciado os últimos dias de Lorenzo, teve coragem de falar sobre o caso. “Só consegui ler uma vez o relato. Ela escutou os gritos dele enquanto o torturavam. Viu ele acorrentado pelos punhos e tornozelos, estava todo gangrenado”, afirma Claudia.
O assassinato de seu marido é um dos que levou à condenação, pela Justiça argentina, de diversos integrantes do regime militar. Até hoje, 1.013 militares foram condenados no país vizinho por crimes cometidos durante a ditadura, de acordo com informações oficiais. O crime que vitimou Lorenzo, cometido no Brasil, já foi reconhecido na Itália e na Argentina; aqui, não foi e não será. “É uma vergonha, estou indignada”, desabafa a viúva. “Pela demora já morreram três, só resta vivo o Átila Rohsetzer”.
Átila, com os olhos fixos no azul do oceano, respira tranquilamente. Enquanto estiver por aqui, sua impunidade está garantida: ele sequer será julgado. Viverá seus últimos anos sentindo a brisa leve das tardes catarinenses. Em vez de sofrer a pena, gozará um perpétuo e ameno verão.
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