Desde Aristóteles sabemos que a contradição é um erro. Quem se contradiz não é confiável. É um estúpido, pra dizer o mínimo. Aristóteles não usou essa palavra, que aliás é latina. Usou outras, gregas. Em todo caso, ainda mais duras.
Por esses dias um vídeo curioso tem circulado nos grupos de WhatsApp do país. Um cara canta ao megafone uma paródia da famosa canção de Geraldo Vandré. A paródia apoia Bolsonaro. Bolsonaro apoia o Golpe de 64. A canção de Vandré é um hino de repúdio ao Golpe. Percebem? Contradição.
Serj Tankian, vocalista do System of A Down, afirmou à Rolling Stones que fica “chocado” com alguns fãs que são surpreendidos ao saberem que suas letras falam sobre política. “Como você pode se surpreender com o meu ponto de vista”, declarou figurando sua reação. “E você é um fã? Como pode ser?”
Eis a questão. É a mesma que Chico César fez a um “fã” recentemente. Este havia sugerido ao músico que esquecesse a política ao fazer suas composições. Chico deixou claro: a política é indissociável de sua música.
Nos três casos, vemos um mesmo espécime: o fã estúpido. Há milhões deles. O cara apoia a intervenção militar mas adora Chico Buarque. É homofóbico mas curte David Bowie. Faz o “WP” com os dedinhos mas ouve 2pac ou Beyoncé. Se bobear, haverá nazis ouvindo Bob Dylan. Estúpidos!
Alguns séculos depois de Aristóteles, um sábio ainda mais brilhante sentenciou: “não servirás a dois senhores”. Ele deixava claro: a contradição é um desvio moral. Caso você se perceba enredado em alguma das contradições citadas neste artigo, aceite uma sugestão: escolha um dos “dois senhores”. Se quiser seguir nossa sugestão à risca, escolha o Chico, o Bowie, a Beyoncé e o Dylan.
Eis um postulado lógico e ético: dependendo de suas convicções políticas, suas opções estéticas podem ser restritas. Se você defende a Ditadura e adora o refrão do Vandré, saiba: isso é imoral. Aliás, duplamente imoral.
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