Opinião

Os mitos do coração de Pelé

Os mitos do coração de Pelé

Em 6 de outubro de 1976, Brasil e Flamengo disputaram uma partida beneficente no Maracanã, com vitória “brasileira” por 2 a 1. O jogo em si não reservou nada de tão especial, é lembrado por poucos. A memória deste dia foi tomada de assalto por uma foto que virou um dos vários símbolos do então já aposentado Pelé, que estava em campo naquela noite. 

O momento em questão, capturado pelas lentes de Luiz Paulo Machado, mostra o Rei com um coração no peito. “Eu não vi de imediato o coração, vi que tinha feito uma boa foto. Mas a gente não sabia, até o momento da revelação, se teve algum problema, se correu tudo bem…” disse o fotógrafo freelancer em entrevista à Placar. Na fotografia e no futebol, as coisas acontecem assim, o preparo e o acaso se unem para eternizar momentos.

A famosa foto de Pelé representa muito bem a relação entre a fotografia (ou o fotojornalismo) e o futebol para a construção de vários mitos esportivos. Chega a fazer com que, na camisa daquele que um dia foi apenas um garoto de Três Corações, até o suor (em forma de coração) ganhe uma camada inédita.

E mesmo sendo tão famoso, o clique também foi alvo de um esquecimento geral sobre seu dia de origem. O livro 1283, uma espécie de fotobiografia do Rei (cujo nome remete ao seu número de gols carreira), traz a lendária foto, mas com a data errada em seus créditos. Para o livro de colecionador que hoje nem se encontra mais a venda, devido ao alto valor e pela tiragem limitada, a ocasião da foto teria acontecido em 1971, na despedida de Pelé da seleção brasileira em um empate em 2 a 2 contra a Iugoslávia. Outra versão apontava que a foto teria sido um ano antes, na vitória por 2 a 1 contra o México em 30 de setembro… A foto circulou com datas erradas até que em 2014 a própria Placar, detentora dos direitos da foto, esclareceu tudo em um matéria no impresso.

O jogo beneficente aconteceu em memória da promessa rubro-negra Geraldo, que morreu aos 22 anos em uma operação de retirada das amídalas. O trágico acidente fez com que os jogadores organizassem a partida contra a seleção de um Pelé já aposentado. Além do testemunho do próprio fotógrafo, outros pontos que ajudaram a resolver mistério. Entre eles o próprio condicionamento físico do jogador (é estranho chamar Pelé apenas de jogador), que apresenta “maior percentual de gordura, o que faz com que seu corpo sue mais”.

Ainda na matéria da placar, quem também relembra o momento em que a foto chegou na redação, é o jornalista e na época editor, Juca Kfouri: “Chegou esse material em uma sexta-feira para mim. De repente, me vi diante dessa foto, que é uma foto de premio, uma coisa de outro mundo, sobrenatural”. Reação completamente cabível, diante do sentimento que a foto exala.

Em outro caso tão icônico quanto, Pelé beijou Muhammad Ali, e o momento e suas versões ecoam até hoje em grafites pelo mundo. Mas isso é história para um outro dia.

Gabriel Oliveira

Futebol brasileiro e mundial em textos com opinião, fatos e dados.

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