A categoria Melhor Filme Internacional, para a The Academy Awards, é aquela onde os diálogos, em sua maioria, não são falados no idioma inglês. Ou seja, uma categoria para amplificar a soberba estadunidense e sua língua oficial. E, aqui, pode-se discutir eternamente o simbolismo e significado de tal egocentrismo, mas, confesso, não estar afim neste instante. E nem acho que seja o momento. Até porque, neste prêmio, eu assisto às melhores obras indicadas, o que retifica o pensamento de que só Hollywood sabe fazer cinema.
Com a pipoca preparada, vi as cinco indicações e expresso minhas considerações nestas mal traçadas linhas. São opiniões particulares que refletem meu sentimento no momento, que podem (e devem) ser questionadas e não tidas como verdade absoluta. Inclusive, as notas dadas no final são para me guiar dentro da minha análise cinematográfica. Não me levem a sério (ou não) e assistam a todos os filmes. São eles, em ordem alfabética do título em português brasileiro:
A FELICIDADE DAS PEQUENAS COISAS 🇧🇹 No lugar do PIB, o Butão criou o FIB, Felicidade Interna Bruta, cujo índice é avaliado pelo rei em busca de melhorias do bem estar da população. Isto é bastante claro e segue como premissa deste belo exemplar de filme butanês. Essencialmente simplória, a obra viaja as montanhas do país subindo, literalmente, em direção aos céus, onde, metaforicamente, o homem é mais humilde, cortês e feliz. No estilo “a cidade grande torna o ser humano frio e desconectado com a natureza”, o longa funciona muito bem como propaganda imagética de um lindo local a ser visitado. Pois fabular sobre a corrupção pela sociedade do homem puro, apesar de bonito e singelo, não funciona em pleno século XXI. Mas, por se tratar de costumes distantes e valorização do professor, há esperança de cativar os espectadores como lição de vida oferecendo uma reflexão pronta. E quem a receber assim com certeza irá se emocionar. Nota 6,5.
A MÃO DE DEUS 🇮🇹 Possuindo todos os sentidos e temperos da excelência do cinema italiano, esta autobiografia real e surreal é deliciosa. Aludindo ao gol de Maradona e ao entorno que tal tento simbolizou, especificamente para os napolitanos, eis uma obra política, reveladora e dotada de esperança e dor tal qual a juventude que guerreia. É cativante e perspicaz mas apresenta certas desconexões por causa do excessivo número de personagens secundários, pois muitos são deixados pra trás e outros aparecem e somem sem explicações. Mas quem há de dizer que a vida não é desconexa? Assim, nessa picotada relação de beleza e tristeza eximiamente fotografada pelas câmeras de Paolo Sorrentino, há encantos e descobertas. Logo, saboroso. Nota 7,5.
A PIOR PESSOA DO MUNDO 🇳🇴 O título já vem carregado de baixa autoestima. Além de ser um soco no estômago da geração do novo milênio, tão acostumada com a facilidade tecnológica que se desespera e se sabota diante das adversidades normais da vida real. Até porque as fronteiras do amadurecimento precisam ser ultrapassadas, por mais delicadas e perigosas possam ser. Amor e família são o pano de fundo mas o foco fixa no individual – afinal, o que Julie quer? E os diálogos (ou a falta deles) são essenciais para desnudar tal radiografia proposta pelo diretor norueguês, que joga, propositalmente, a dúvida pra brigar com a incapacidade numa personagem altamente convicta e capaz. Uma dualidade encantadora, contestadora e reflexiva. Nota 8,5.
DRIVE MY CAR 🇯🇵 Mistura de literatura, teatro e cinema numa realidade multilíngue onde o luto e o autoconhecimento são os donos do espetáculo. Além da reconstrução pessoal (não à toa Hiroshima é escolhida como cidade da narrativa), sobre relações e afetos. E são situações complexas e complicadas retratadas, como solidão, culpa, fuga e autoflagelo, no melhor estilo do cinema japonês, com calma e precisão de detalhes (vide a leitura meticulosa do roteiro repetidas vezes), o que justifica suas três horas de duração, pois o tempo também é personagem já que se pensa o passado como estrada pra construir o futuro. Outro personagem marcante é o carro Saab 900, local onde verdades surgem como simples piscar de olhos. E, de uma maneira singela e perfurante, o realismo de Anton Tchekhov encerra esta bela obra: “você nunca conheceu a felicidade, mas espere”. Não recomendado àqueles que veem filmes com pressa, pois o cochilo virá invariavelmente. Nota 8,0.
FLEE: A FUGA 🇩🇰 Um excelente documentário em animação sobre a vida de um homem homossexual fugido do Afeganistão que encontrou abrigo e amor na Dinamarca. Um capítulo extraordinário de uma vida comum e bastante costumeira de países que sofrem com guerras, num mix de ficção e realidade documental bem interessante e sensível. Longe de ser inédita ou autoral, esta obra explicita o tratamento dado aos refugiados na Europa sob um olhar mais evasivo e sem rancor. Talvez, por isso, a narrativa se mostra um pouco monótona, porém, eficaz na liberação de memórias apagadas pelo trauma de fugir pra sobreviver. Interessantíssimo! Nota 8,0.
Portanto, A PIOR PESSOA DO MUNDO, de Joachim Trier, é o meu preferido, mas ficarei satisfeito com qualquer vencedor (e será uma surpresa se DRIVE MY CAR não ganhar), pois são excelentes obras repletas de alegorias e pensamentos que refletem muito dos seus países de origem. Porque, nesta categoria, a representatividade é tão importante quanto o produto final. Que a Academia esteja iluminada em sua escolha!
Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.
Cookies Necessários
Os Cookies Necessários devem estar sempre ativado para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.
Se você desabilitar este cookie, não poderemos salvar suas preferências. Isso significa que toda vez que você visitar este site, precisará habilitar ou desabilitar os cookies novamente.
Comentários: