Opinião

“Simone Biles, it’s ok not to be ok”

“Simone Biles, it’s ok not to be ok”

Vejo as olimpíadas como quem vê um filme ou lê um romance. Sigo histórias. Farejo tragédias ou epopeias. Procuro heróis. Não me interessam regras, dados, estatísticas. Sequer medalhas me interessam, a menos elas estejam ensopadas de lágrimas – ou de raiva, como aquela que Mohamed Ali atirou no mar. Busco o espetáculo protagonizado por homens e mulheres capazes das proezas mais raras, mas também sujeitos às fraquezas mais comuns. A saga humana no palco olímpico: eis, em suma, o que me interessa. 

Simone Biles, mais que tudo nestes jogos, atrai minha atenção. Nada sei de ginástica artística. Lembro bem da Nádia Comaneci, linda e imperturbável como uma bailarina de gelo. Tão diversa, tão mais humana é Simone. Nádia era perfeita, mas sua perfeição era cristalina e silenciosa. Simone é uma tempestade feita de chuvas e raios e trovões. 

Em entrevistas que chocaram o mundo nesta semana, Simone trovejou, relampeou e choveu. Sorriu e chorou. Revelou suas fraquezas mais “imperdoáveis”. E anunciou a decisão de não mais disputar os jogos. Primeiro desistiu da competição por equipes. Depois, da individual. A grande estrela olímpica está fora de combate. E, ao menos por mim, está perdoada. 

Mais que o perdão, ela tem meu respeito. Que gesto! Que coragem! Que grandeza! Todos queriam seus saltos, suas piruetas, seus pousos certeiros. Mas receberam suas lágrimas. Simone não protagonizou proezas esportivas, mas um drama humano. Ela revelou sua angústia. Assumiu sua fraqueza. Deixou o palco diante dum público perplexo. 

Mais que tudo, ela teve a coragem de confrontar todos: os treinadores, os anunciantes, a mídia, o público. Todos os que esperavam seu espetáculo. Todos os que só querem seus saltos e piruetas – e seu pouso certeiro e final. Simone nos confrontou – a todos nós. E disse simplesmente que não, não se submeteria ao nosso desejo de espetáculo. Como ela bem esclareceu, mais importante é sua paz. 

E então talvez nós a tenhamos compreendido. Eu, ao menos, compreendi. Muitos, muitos de nós compreendemos. No dia de sua entrevista, a ONU lançou uma campanha pela “saúde mental”. O slogan, em tradução livre: “tudo bem se você não tá bem”. É interessante. É uma atitude compreensiva. É exatamente o que devemos dizer a ela: “Simone Biles, it’s ok not to be ok”.

Afinal, ela não nos deve nada. Ao contrário: ela nos deixa um exemplo e uma grande história. Com Simone Biles, a saga humana se mostra épica, dramática, olímpica. Ela é a maior protagonista destes jogos mesmo sem disputá-los – e justamente por isso. É a heroína destas olimpíadas. Os homens e as mulheres capazes das mais raras proezas atléticas são, no fundo, apenas homens e mulheres. Essa é a beleza. Neste espetáculo do esporte, nada foi tão belo quanto as lágrimas dessa mulher – uma das grandes atletas da história e, ainda assim, tão humana quanto cada um de nós.

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