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Snowden e Pegasus

Snowden e Pegasus

Em 2014, de seu asilo na Rússia, Edward Snowden fez uma aparição virtual em um evento que discutia a privacidade na internet. Presente a esse evento estava Tim Berners-Lee, o inventor da web. Houve então a pergunta tantas vezes repetidas: “Snowden é herói ou vilão?” Barners-Lee, bem a seu modo, respondeu sem titubear: “herói, se você tem que escolher uma das duas alternativas”.

Essa pergunta é tão recorrente porque Snowden é de fato uma figura intrigante. Como agente da NSA (“National Security Agency”, dos EUA), ele revelou o maior escândalo de espionagem da história. O governo americano, com a colaboração de várias das chamadas “bic techs”, devassou a privacidade de incontáveis pessoas. De Chefes de Estados a reles mortais. Milhões, talvez bilhões de pessoas monitoradas. Não fosse Snowden, jamais saberíamos disso.

Desde então ele vive na Rússia, onde obteve asilo político. Desde então aquela pergunta repete-se incessantemente. O governo americano, especialmente o chamado “deep state”, considera Snowden um inimigo da nação. Mas amplas multidões do mundo ocidental – e entre elas vozes importantes como a de Barners-Lee – dizem o contrário. Ele recebeu prêmios e deferências. Virou tema de filme. Foi indicado ao Nobel da Paz. 

Nesta semana Snowden voltou à cena. Graças a ele, um escândalo envolvendo um software espião israelense – “Pegasus” – chegou às manchetes da grande mídia. Este software estava a serviço de governos autoritários que o utilizaram para monitorar opositores. Mas também a serviço de governos “democráticos” do ocidente, que espionaram jornalistas, ativistas e outras vozes dissonantes. 50 mil celulares foram hackeados pelo sistema Pegasus, conforme o relatório da Forbidden Stories – organização que monitora o trabalho de jornalistas ameaçados, presos ou assassinados – distribuído com o apoio da Anistia Internacional. Trata-se, como disse o próprio Snowden, do maior escândalo do ano. 

Sua participação no episódio não se restringiu a divulgar o gravíssimo fato. Seu maior mérito foi extrair as lições que, mais uma vez, deveríamos aprender. Snowden afirmou que o comércio de spyware (softwares capazes de invadir computadores ou telefones) deve ser imediatamente suspenso em escala global. “[Esse comércio] não deveria exisitir”, declarou. “Se nada for feito para impedir essa tecnologia, não serão apenas 50 mil, serão 50 milhões de alvos.” Ele deu um exemplo particularmente enfático a ilustrar seu argumento: “É como uma indústria que apenas cria variantes personalizadas da Covid para evitar vacinas. Seus únicos produtos são vetores de infecção. Eles não são produtos de segurança. Eles não estão fornecendo nenhum tipo de proteção, nenhum tipo de profilático. Eles não fazem vacinas — a única coisa que vendem é o vírus.”

Snowden é uma das mais interessantes personalidades de nosso tempo. Uns o consideram um “herói”; outros, um “vilão”. Mas, como Tim Barners-Lee deixou implícito, você não tem que escolher necessariamente uma dessas alternativas. Você pode considerá-lo em toda a sua profundidade ambivalente. E sobretudo: você pode ouvi-lo. Quando se trata dos instrumentos tecnológicos utilizados a devassar a privacidade das pessoas, Snowden tem muito dizer. 

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