Opinião

Tensão Pós-Regional

Tensão Pós-Regional

O futebol brasileiro está sujeito a um ciclo que se renova todo ano. Em janeiro começa com joguinhos preguiçosos. Em dezembro se fecha com batalhas terminais. Nesse ciclo há uma fase crítica geralmente próxima à Páscoa. É a crise de abril, marcada por um sintoma básico: a tensão pós-regional.

A TPR chega pra todos os times. Os pequenos ficam tensos porque, com o fim dos campeonatos regionais, fica quase nada pra fazer durante o resto do ano – exceto, claro, pagar as contas. Os médios e os grandes, por outro lado, sofrem as marcas que os estaduais deixam em sua preparação física e moral. A páscoa, no futebol brasileiro, é tempo de êxtase ou sacrifício. Nem um nem outro faz bem aos nossos times.

Grêmio, Palmeiras, Fluminense, Atlético-MG, Coritiba e Brusque são alguns dos campeões estaduais. Bons times? Sim, uns mais e outros menos. Boas perspectivas pro resto do ano? Pra uns, sim; pra outros, talvez. O título estadual lhes fez bem? Provavelmente não. Todos sabemos o quanto a taça ilude. O quanto disfarça os problemas. O quanto suga as forças que deveriam estar dirigidas ao que mais importa: os torneios nacionais e continentais. A celebração do título traz a ressaca: quando os campeões despertam, a realidade é outra.

Se os campeões sentem a TPR, imagine os derrotados. Além de sugar suas forças, os campeonatos estaduais devastam seu moral. O Flamengo é o exemplo mais claro. A dois dias de estrear na Libertadores, o time está dilacerado. A torcida solta fogo pelas ventas. Se metade do que diz a FlaTT for verdade, a Gávea deve estar mais ou menos como a Ucrânia – com o Putin e o Zelensky no mesmo vestiário.

Tudo por causa do estadual. Tudo porque agora, quando deveriam estar nas temperaturas mornas de sua preparação, os times estão fervendo no caldeirão das crises (ou da soberba). Tudo porque em abril há essa ruptura abismal: as decisões dos regionais. Não basta o nosso calendário ser caótico. Não basta haver excesso de jogos, desrespeito às “datas Fifa”, sobreposição de tabelas. Não basta o futebol brasileiro ser uma zona. Nossos cartolas não se satisfazem com isso. Eles têm requintes de crueldade: fazem campeonatos estaduais longos e deficitários pra impedir qualquer tentativa séria de planejamento.

Os estaduais deveriam deixar de existir, então? Talvez. O exemplo do Athlético Paranaense merece ser visto com atenção. A Liga do Nordeste é uma outra alternativa que pode ser estudada. Os grandes times do Brasil poderiam jogar apenas torneios de âmbito nacional e internacional.

Por outro lado, há um argumento que sempre me sensibiliza: os estaduais têm mais de um século de tradição. A história dos grandes times do país, a saga dos grandes craques, os tempos áureos do nosso futebol – que valor assumem todas essas referências sem o pano de fundo dos campeonatos estaduais? Como podemos falar dos grandes feitos do Flamengo de Zizinho, do Santos de Pelé, do Palmeiras de Ademir, sem compreender o que eram tais campeonatos? É justo transformar toda essa herança em uma peça de museu?

A discussão é complexa. Mas me parece evidente que algo tem que mudar. Não há sentido num calendário que atinja momentos da mais alta tensão quando nem bem se inicia a temporada. A TPR faz mal. De algum jeito temos que evitá-la.

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