Há pouco mais de um século a Monalisa, famosa tela de Leonardo, foi roubada* do Louvre. O ladrão foi pego e a obra, claro, recuperada. À polícia, o gatuno declarou em bom italiano: “fiz isso por patriotismo!” Ele considerava a obra um patrimônio da Itália e pretendia, alegadamente, devolvê-la à sua pátria. A alguns essa declaração pode parecer uma atenuante, mesmo uma exculpante do crime. A outros parecerá cínica. Em todo caso, algo é certo: o Museu do Louvre, vítima do roubo, não se sensibilizou com o “patriotismo” do larápio.
Muitos empresários, às vezes, sentem-se exatamente como os responsáveis pelo Museu do Louvre no episódio narrado. Ao pagarem tanto ao Governo, ao perderem tão grande parte das riquezas que produzem para o Estado, ao cumprirem tantas obrigações tributárias, ambientais, sanitárias, consumeristas… (as reticências são longas), esses empresários se sentem vítimas de um roubo. E, assim como o Louvre, não estão nem aí para a motivação patriótica do crime.
Em geral esse sentimento é equivocado. De fato, a carga tributária é altíssima e tóxica. As obrigações que afetam o exercício de cada atividade empresarial são complexas. A fatia abocanhada pelo Governo é muito grande. Há exagero no impulso estatal de taxar e fiscalizar as empresas; e há justa indignação diante do retorno sempre insatisfatório que o Estado dá à Sociedade. Mas também essa indignação costuma ser exagerada. O mantra de que devemos ter “menos Estado” muitas vezes soa irrealista; algumas vezes, grosseiro; não raramente, hipócrita. Afinal, ninguém negará que o Estado deve existir e que tem funções fundamentais. Você pode ter um restaurante e detestar a vigilância sanitária. Mas, se você for almoçar, vai preferir um lugar devidamente fiscalizado.
Portanto, nem tanto ao mar e nem tanto à terra. É claro que há exageros e distorções na atuação estatal, especialmente quando ela suga recursos das empresas. Mas é ainda mais claro que isso não é um roubo: a tributação, as obrigações específicas, a normatização das atividades – tudo isso é uma necessidade civilizatória. Se não houvesse nada disso, não haveria liberdade: seríamos sempre ou tiranos ou escravos; na esmagadora maioria dos casos, os segundos.
O fato é que essa atuação estatal traz riscos à empresa. Riscos jurídicos, segundo a classificação que propus em artigos anteriores nesta coluna. O empresário caminha por uma trilha estreita sem poder se desviar. É tal o número de obrigações a cumprir, é tamanho o cipoal normativo a observar, é tão vasta e profunda a consequência de um eventual deslize, que estes riscos jurídicos têm que ser uma preocupação básica. A trilha, como eu disse num daqueles citados artigos, é uma corda bamba: um passo em falso pode ser fatal.
Essa preocupação demanda assessoria técnica, claro. Contabilistas e advogados são sempre úteis e quase sempre indispensáveis: os riscos jurídicos nem sempre são evidentes; por outro lado, muitas vezes há soluções mais simples e mais baratas para problemas que parecem intrincados e dispendiosos. Mais importante que a assessoria técnica, contudo, é a postura do empresário diante desses riscos. É preciso ser responsável, cuidadoso, preparado. É preciso compreender que a existência de uma empresa se dá num ambiente necessariamente complexo. É preciso bem mais que uma boa ideia de negócio.
Se ao lado dessa boa ideia houver a boa postura de que se falava, a empresa terá tudo para prosperar. Se a coragem, que todo empresário tem, combinar-se com a lucidez, que todos devem ter, então o negócio deve dar certo. Essa “combinação” é um tesouro que o Governo não pode – e com toda certeza não quer – tirar do empresário. Eis a verdadeira Monalisa – que ninguém pode roubar.
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*Sei da possível atecnia no emprego do verbo. Talvez o crime relatado seja melhor qualificado como ‘furto’. Não tenho elementos para esclarecer com rigor a questão. Ou melhor: como essa questão não interessa a este artigo, desincumbo-me dessa pesquisa e deixo no ar a dúvida – para assim me permitir o emprego da palavra que me parece mais expressiva. Enfim, questão de estilo.
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