Arte

A arte de deixar ir

A arte de deixar ir

Sempre amei ter a casa cheia de plantas. Cheia de vida, aromas e cores.

Cuidar delas sempre foi terapêutico para mim.

Recentemente, errei a mão e acabei regando uma delas em excesso.

Ela não precisava de mais água. Ela estava bem com aquela quantidade habitual.

Em razão da rega em excesso, boa parte das raízes apodreceram. Os caules e as folhas, todavia, continuaram praticamente intactos e assim ficariam por pelo menos mais alguns dias.

Era a minha favorita.

Se eu a podasse, ela perderia quase todos os caules e quase todas as folhas. Já não seria uma planta bonita. Voltaria a ser apenas uma muda. Apesar disso, ela poderia brotar e se restabelecer.

Fiquei um momento pensando se haveria outra coisa que eu pudesse fazer, apesar de já saber a resposta. Independentemente do que eu fizesse, mais da metade da planta iria apodrecer.

Eu não queria perdê-la. Eu não queria podá-la, da mesma forma como não queria que ela apodrecesse – mesmo sabendo que isso seria inevitável.

E pensava assim, porque naquele momento, desde que escondidas as raízes apodrecidas, ela continuava linda.

Às vezes, nos apegamos. Não queremos deixar irem amigos, amores, momentos.

Nos mantemos em situações que, no fundo, sabemos que já não fazem mais sentido. São situações que estão na iminência de acabar.

De onde estamos, até conseguimos ver as ruínas ao final, mas nos recusamos a aceitar e, por vezes, procuramos incessantemente reencontrar a beleza que um dia existiu ali.

Acontece que essa beleza, mesmo se encontrada, já não será suficiente para suprir ou compensar o que o se passou no decorrer do tempo, da mesma forma como a beleza da planta jamais seria capaz de suprir os danos causados às raízes.

Há momentos nos quais manter-se da forma atual parece ser mais seguro e confortável do que recomeçar.

O cenário atual, já como é. Já sabemos o que nos espera. Já estamos acostumados.

O caminho até o recomeçar que doi. E doi porque exige a aceitação e o desapego. Exige que deixemos de viver no “e se tivesse sido diferente” e tomemos consciência de que vivemos no presente, não no passado.

É abrir mão de quem um dia fomos. É deixar ir quem um dia representou tanto para nós.

A verdade é que surge uma nova versão de nós a cada instante. Jamais seremos quem um dia fomos. As pessoas e os momentos são cíclicos e, se quisermos viver em paz, precisamos aceitar que há pessoas que ficam e há pessoas que vão.

O fato de não aceitarmos o passado, não vai mudá-lo.

Precisamos deixá-lo. Precisamos podar a planta e recomeçar.

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