Opinião

A Caaba

A Caaba

Num sonho que tive dou voltas em torno da Caaba de Meca. A cada volta me aproximo do centro. Na sétima, estou rente à parede negra. Toco a pedra trazida pelas mãos de Abraão. A porta se abre. Eu entro.

Creem os mulçumanos que o pai dos profetas construiu a Caaba. Ou reconstruiu. Foram os anjos de Deus que a ergueram. Nos anos de Noé, o dilúvio a derrubou. Abraão, com seu filho Ismael, reergueu suas paredes de pedra.

A Caaba é a construção primordial. A expressão primeira – e divina – do engenho humano. Somos animais dotados de conhecimento. Podemos construir uma casa a partir dum modelo abstrato. Podemos erguer, no caos da natureza, a forma pura dum cubo. Os anjos ensinaram, Abraão aprendeu: o profeta fez o templo em gratidão a Deus, que fez o homem despertar na aurora do cognoscível. A Caaba é o símbolo do milagre que define nossa espécie: a cultura.

A cultura traz em si a história. Dar voltas em torno da Caaba não é apenas orbitar a ideia de Deus. É também compreender a história à luz dessa ideia. É ligar a trajetória humana a um centro, a um princípio, a um fim. É dar sentido a essa trajetória. Em meu sonho são sete voltas. A cada uma, fico mais próxima do centro. Mais consciente do princípio. Mais ávida pelo fim.

Então entro na Caaba. Uma luz amena, como a de minha infância, ilumina a casa simples e a mesa em que é posta a ceia. Eu me sento ao lado da mulher que convidou a me juntar aos demais. Ela é talvez minha mãe ou minha filha ou Maria ou Eva. De repente todos nos calamos. E ouvimos a voz que soa no fim.

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