São 23 horas e 51 minutos, na hora de Meca, do dia primeiro dezembro. Estou em Doha, no Catar. Estamos, eu e meus amigos, num enorme evento que celebra o futebol. Milhares de pessoas voltam seus olhos vidrados a leste, onde dois jogos são transmitidos por enormes telões. Eu tenho os meus no oeste, onde se põem – como se de mãos dadas – Júpiter e a Lua.
É quarto crescente. A Lua em peixes. A noite limpa como todas as noites do Catar. Em todas elas, Júpiter impera: ao anoitecer está em zênite; à meia-noite, no poente. Enquanto isso, Vênus e Mercúrio estão juntos no nadir. Zênite e Nadir: palavras árabes. Quanto a astrologia deve à Arábia? Quanto a Arábia deve a mim?
Estou na Arábia e me sinto só. Enquanto as torcidas berram gols, enquanto o Japão faz isso e a Espanha aquilo e a Alemanha sei lá por que vai embora, meus olhos estão em Júpiter. E na Lua, a seu lado, cortada pela metade. E em Marte, a 120 azimute, no limiar do nascente. E tenho vontade de chorar.
Não é tristeza. É solidão, eu acho. É a Arábia e seu chão de areia que parece forçar a olhar pro céu. Sou eu, sempre tão pronta a fugir pra lá. Em todas essas noites, a cada instante, busco Marte e Júpiter como quem, a cada instante, corre o risco de se perder. Então traço uma reta imaginária que atravessa os dois planetas em quadratura. E sempre acho o norte. E respiro a brisa do sul.
Então olho em volta. A terra, as pessoas, os amigos. Eles me sorriem como se dissessem: “bem-vinda de volta “. Eu tento sorrir. Às vezes consigo. Às vezes não. Os amigos me pedem: “em que estavas pensando?”. Eu só respondo: “na linguagem”.
Zênite, nadir, azimute: palavras árabes. O chão de areia da Arábia fez seu povo olhar pro céu. Meu chão de pedra noturna me faz fugir pra lá. Talvez eu lá descubra algo como a astrologia ou a linguagem. Talvez eu lá amanheça na vastidão de ser só.
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