Um estudo recente sugere que Sodoma, a famosa e promíscua cidade de que tanto fala a Bíblia, foi destruída por um meteoro. “Há cerca de 3600 anos”, diz o estudo, “uma rocha espacial avançava implacavelmente a mais de 60 mil km/h. O impacto foi fulminante e descarregou mais energia que mil bombas de Hiroshima juntas.” Mil bombas atômicas devem causar uma tremenda explosão. Segundo os cientistas, “a temperatura do ar atingiu 2 mil graus Celsius: espadas, lanças, tijolos de barro e cerâmica começaram a derreter e em poucos minutos a cidade inteira estava em chamas.”
Essa “descoberta” me soa estarrecedora. Não porque contradiga os relatos bíblicos. Mas justamente porque os confirma. Gênesis, capítulo 19, versículo 24: “Então o Senhor fez chover enxofre e fogo, do Senhor desde os céus, sobre Sodoma”. É precisamente o que aconteceu segundo os tais recentes estudos. Você pode tranquilamente substituir “chuva de enxofre” por “mil bombas atômicas”. São apenas duas metáforas pra um mesmo evento.
Meu estarrecimento se deve não só à possível confirmação histórica da Bíblia, mas à afirmação da existência do Deus protagonista. Parafraseando Miguel de Unamuno, mais que a comprovação ‘fenomênica’, espanta-me a demonstração ‘numênica’ da verdade bíblica. Não pode haver prova maior do poder divino do que essa descoberta: Sodoma foi devastada pelo fogo provocado por um asteroide. Uma enorme pedra que caiu do céu. A Bíblia mostra que os judeus tratavam os pecadores (e os inimigos: Golias, por exemplo) a pedradas; é natural, então, que seu Deus também o fizesse. Einstein disse que “Deus não joga dados”. Mas Ele atira pedras. Ou, se preferirem, asteroides.
Sodoma é uma espécie de metáfora do impulso pecador. Por trás da metáfora, há a realidade por ela representada. Sempre que alguém se refere à mítica cidade, imputa-lhe os pecados mais graves segundo esse mesmo alguém. Diz o Livro de Ezequiel: “esta foi a iniquidade de Sodoma: a soberba”. Segundo o Evangelho de Mateus (11: 23), Jesus disse algo semelhante: por ter se erguido até o céu, a cidade foi abatida até o inferno. Já os ingleses vitorianos, muitos séculos depois, criaram o adjetivo “sodomita” para rotular os homossexuais. Sodoma é a metáfora pra qualquer pecado: quem a ela se refere, com ela identifica o pecado que lhe parece mais repugnante – ou, particularmente no caso dos ingleses vitorianos, mais tentador.
A Bíblia menciona Sodoma diversas vezes, mas apenas em uma descreve um fato pecaminoso imputável à cidade. Se dizemos que Sodoma era soberba ou sádica, não estamos narrando “fatos”, mas atribuindo defeitos. O Livro atribui muitos defeitos à cidade; mas, pelo que sei, apenas um fato. Faço questão de resumi-lo. Dois anjos sob a forma humana estão na casa de Ló. Então bate à sua porta uma turba: “os homens de Sodoma, desde o moço até ao velho”. Eles exigem que Ló lhes entregue os anjos: “traze-os fora a nós, para que os conheçamos”. Está implícita nessa fala a intenção “sodomita”, como diriam os ingleses vitorianos. Ló, num gesto da mais alta solidariedade aos anjos, oferece suas filhas à turba. Em vão: “eles disseram – sai daí!”
Tudo isso consta do capítulo 19 do Gênesis. Trata-se de uma das páginas mais obscenas do Livro. No mesmo capítulo, após Ló ter fugido de Sodoma e a cidade ter sido devastada, suas duas filhas o embriagam e “deitam-se” com ele, gerando vasta descendência. Talvez Moisés, ao escrever essas páginas, quisesse justificar a fúria de seu Deus. Afinal, quão furioso não terá sido o gesto de atirar a enorme pedra que incendiou toda a cidade?
Quase um milênio após Moisés, o Deus bíblico era bem diverso. Diante de Maria Madalena – “apanhada, no próprio ato, adulterando” – os homens disseram a Jesus: “a lei de Moisés nos manda que ela seja apedrejada”. O Cristo, que “estava inclinado escrevendo com o dedo na terra”, dá a célebre resposta: “aquele dentre vós que está sem pecado que atire a primeira pedra”.
É talvez a passagem mais bela do Livro. Relendo-a, várias perguntas me assaltam: o que teria dito o Filho ao Pai, na iminência de “apedrejar” Sodoma? O perdão de Jesus, a mensagem do mais puro amor, é a fresta por onde vemos nosso futuro? O que Ele escrevia com os dedos na terra?
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