Arte

Alice era apenas louca

Alice era apenas louca

Você não desenhou Alice nem ele nem ninguém. Desenhou as circunstâncias, talvez. Sim, as circunstâncias. 

Havia crianças. Era páscoa. Elas saíam fantasiadas da escola. Os olhos azuis de Alice lacrimavam com o brilho de sempre. O peito arfava de alívio.

Havia loucura. A dela, Alice, atravessando a rua num rompante seguida pela barra azul das suas longas roupas. E a dele, o escritor. Todo escritor é louco. 

Não, não eram as circunstâncias. O desenho era a fuga, a possibilidade concreta, a hipótese figurada na loucura: algum outro mundo. Aqueles coelhos falavam e seduziam e indicavam caminhos. 

Você não desenhou amor nem amizade nem outro clichê qualquer. Não, definitivamente. Clichês não havia naquele texto. Houve apenas o encontro. A troca de olhares intransitivos. O contato entre a loucura de uma e de outro. Percebe o que é isso: duas loucuras se tocarem num mesmo sonho? 

É uma chance. Uma ilha no horizonte. Uma porta na noite vasta onde flutuávamos nós todos: eu e você e Alice e o escritor. 

Não, não era fuga. Era um recomeço. Um amanhecer. Um sonho que todos de repente dividimos. O sonho refletido nos olhos do outro mundo que você desenhou.  

Werner Schön

Werner Schön tenta fazer literatura. Em Jaraguá do Sul.

Comentários:

Ao enviar esse comentário você concorda com nossa Política de Privacidade.