Opinião

Jackson Torres: Os porquês

Jackson Torres: Os porquês

O que desencadeia a negação do inegável? 

A negação de situações indesejadas pode ser enxergada como um mecanismo inconsciente de defesa. Sob esse ângulo de análise, próprio dos especialistas da mente humana, as pessoas negam fatos graves e evidentes com o intuito de evitar abalo emocional. 

Os seres humanos negam contextos desfavoráveis para manterem-se mentalmente confortáveis e seguros, ou seja, livres de maiores preocupações. Fala-se aqui de um instinto humano de autoproteção. 

Bruno Latour, antropólogo, sociólogo e filosofo francês lançou em 2017 a obra Onde aterrar? – Como se orientar politicamente no Antropoceno. Nela, Latour levanta a hipótese de que o negacionismo climático seria uma deliberada estratégia adotada por importantes atores políticos e econômicos. 

Sem perspectivas de solução da crise climática, as classes dirigentes ou elites, nas palavras do intelectual francês, “resolveram que, para dissimular o egoísmo sórdido de tal fuga para fora do mundo comum, seria preciso rejeitar absolutamente a ameaça que motivou essa fuga desesperada – o que explica a negação da mutação climática”.

A hipótese latouriana, como o próprio autor reconhece, tem tudo para ser qualificada como conspiratória e ficcional. Não tenho elementos para corrobora-la ou refutá-la. Nem ele os aponta de forma cabal.  

Independentemente do seu acerto ou não, a hipótese de Latour lança luz sobre algo particularmente relevante em tempos de pós-verdade: os porquês de alguns negacionismos encobridores de verdades, aqueles manejados de má-fé, que não derivam de mecanismos humanos inconscientes de autoproteção. 

É atualmente oportuna a busca da motivação dos negacionismos em voga.

Interessa saber, por exemplo, os verdadeiros motivos da negação da existência de um modelo social economicamente injusto, patriarcal e racista. Convém perquirir as genuínas razões da negação da devastação ambiental em curso na Amazônia. Relevante, sobretudo em tempos de crise ecológica e proliferação de pandemias, verificar os reais motivos da negação da ciência. Importa identificar, enfim, a quem interessa, beneficia e conforta – mental  e materialmente – atitudes negacionistas.

Perguntas nesse sentido podem ser formuladas aos montes. Não faltam porquês encobertos pelos negacionistas que nos interessam enquanto cidadãos. 

Para encerrar, aponto mais um porquê que urge ser desvendado e que deveria interessar especialmente à sociedade brasileira, espectadora – assustadoramente passiva – de mais de meio milhão de mortes por COVID-19: o porquê do negacionismo vacinal insistentemente manifestado, em um passado próximo, por altas autoridades da República.
Não arrisco, hoje, uma resposta. Seria uma verdadeira desconfiança quanto à origem das vacinas? Uma real dúvida no que tange à eficácia vacinal? Ou uma genuína preocupação sobre os efeitos da vacina no corpo humano? Não sei. Talvez as notícias divulgadas nos últimos dias com destaque pela imprensa nos indiquem o caminho para localizar o porquê.

Jackson Torres

Mestre em Direito (UFSC). Advogado público federal.

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