A segunda metade da década de 1960 é talvez o período mais intenso da nossa música. A bossa nova se transformou. O tropicalismo se consolidou. O rock genuinamente brasileiro nasceu. Todos se convenceram de que o Chico era um prodígio. O Caetano, um gênio. O Baden, um visionário. Todos entenderam que essa música, além de magnífica, era poderosa. Todos esperavam que ela nos salvasse.
Ninguém chegou tão perto de nos salvar quanto Geraldo Vandré. Logo em seus primeiros sucessos, em parceria com Carlos Lyra, já se anunciava um predestinado. Ele tinha o refinamento dum Jobim e a pureza dum Gonzaga. A ousadia vanguardista e a humildade popular. O brilho do luar e a poeira da terra. A poesia mais certeira. O ideal mais claro. A arte mais radical. Geraldo era o melhor.
Então veio 68. Em novembro, o Festival. No Festival, a canção. A maior de todas. A mais sublime. A mais poderosa. A canção que poderia nos ter salvo. Geraldo lhe pôs um título evasivo: “Pra não dizer que não falei das flores”. E lhe deu versos que entraram pra história. A mesma história que, um mês depois, traria o AI-5.
Há um grande mistério a partir da daí. Geraldo partiu pro exílio. Quando voltou, foi vigiado. De repente calou-se. Há que se respeitar seu silêncio. Há que se adivinhar silenciosamente suas causas. Sua poesia era poderosa demais. “A certeza na frente, a história na mão” – diz um daqueles versos. Geraldo ensinava que a vida tinha uma razão: seguir a certeza, fazer a história. Num sopro da mais clara inspiração, ele compreendeu o que poderia nos salvar.
Mas os soldados, amados ou não, haviam aprendido a lição antiga: “viver sem razão”. A voz de Geraldo caiu no silêncio. A salvação não veio. E o país seguiu sua história, escura e muda, só esperando acontecer.
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