Falando sinceramente, achei que não iria dar certo. Fiquei tão preocupada! Carnaval em abril? Depois da Páscoa? Sem os cinco dias de sagrada folia? Sem as cinzas no fim? Não, não podia dar certo. Não sei se deu.
Talvez não. Talvez tudo isso tenha soado um pouco fake. Esses quatro dias de abril, afinal, foram só um feriadão. Na quinta, 21, celebrávamos Tiradentes. Isso me lembra Cecília, a outra Cecília, a que escreveu o Romanceiro da Inconfidência. Em sua poesia me recolho. Mas o carnaval é o oposto desse meu recolhimento. Algo me dizia que esses dias de abril não eram de festa. Não, não podia dar certo.
Tem também toda a política. O carnaval deste ano é um campo de batalha. Já não marchamos num bloco. O cordão que nos atava virou a corda que esticamos. Cada grupo puxando de um lado. E um outro, um terceiro e obscuro grupo, esperando que a corda se rompa. E se rompeu?
Talvez. Eis a tragédia. O legado mais venenoso destes tempos tristes. Se acabar o carnaval, acaba a esperança. Não toda a esperança, bem claro. Restarão ainda algumas esparsas: umas egoístas, outras produzidas em templos que exigem o monopólio da fé. Mas morrerá a esperança que nos define como povo. Aquela que pintávamos com as cores vivas deste país tropical. Aquela onde havia um futuro tão imenso que trazia em si a felicidade de cada um de nós.
Não, talvez não exista mais esse “nós”. Talvez o fim do carnaval seja isso: nossa divisão absoluta. Uns no camarote berrando o nome de um. Outros na arquibancada berrando o nome de outro. Acabou o coro que cantávamos em uníssono? Acabou o sonho que palpitava nos tambores? Acabou a festa que unia todos nós?
Talvez não. De repente a avenida se encheu de verde e rosa. Abrindo o desfile, a figura de Cartola. A evocação do poeta instaurou um instante profundo onde mergulhamos. Em sua poesia nos recolhemos. O carnaval é a essência desse nosso recolhimento. De repente todos estávamos numa só avenida. Andando numa só direção. Trazendo a memória coletiva dos “tempos idos”, quando víamos um futuro que todos – sim, todos – podíamos celebrar.
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