Arte

O miolo

O miolo
Arquivo pessoal

Melancia é uma fruta de verão e que não se come sozinho e sim que se compartilha em fatias. 

Havia, em outro tempo, uma tradição onde o patriarca tinha, por direito hereditário, o miolo desta fruta para si e por consequência os demais, menores, inferiores, recebiam suas partes em fatias reduzidas, com menos doce, mais próximas da parte branca, a fronteira de dentro. 

Eu não sabia o que era um patriarca, nem fronteira, mas sabia que só meu avô e, em sua ausência, meu pai, poderia comer a fruta sem fatiar, em seu centro, distante da borda. Mas meu pai, na sua vez de usufruir seu direito adquirido, abriu mão.

Por muitas vezes quando pequeno, no calor do verão, na hora de abrir a melancia, eu ouvia meu pai dizer com a faca dividindo a melancia ao meio, que ele era o único que poderia comer apenas o miolo, que era o mais velho da casa, que era o senhor daquelas bandas. Uma frase que vinha com um sorriso meio escondido, disfarçado, engraçado. 

E as crianças que aguardavam suas fatias, permaneciam num silêncio de ódio, vingança e ao mesmo tempo incrédulo por sua renuncia ao cobiçado miolo quando recebiam suas fatias inteiras, enormes e suculentas, que os olhos brilhantes acompanhavam a faca fazer a fatia com seu miolo e meu pai entregar, uma a uma, naquelas mãozinhas sujas de brincar.

Wagner Rengel

Wagner Rengel quis ser silêncio depois pássaro depois peixe depois vento depois grilo quis ser gente depois nada. Mora em Curitiba.

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