Nota do editor: A sensibilidade jornalística de João Monteiro nos lega três grandes crônicas. Inspiradas em entrevistas cujos detalhes são irreveláveis, elas visitam profundezas densas – e tensas, advirta-se. Aqui está o primeiro ato dessa trilogia. Acompanhe nossas publicacões e permita-se esse mergulho.
Há tempos procuro meu sono, ainda que venha com pesadelos, ainda que seja eu o monstro da história que se repete em meu subconsciente, ainda que o Diabo fuja de mim por não suportar tamanho peso e negatividade de meus pensamentos, ainda assim, preciso de meu sono.
Ontem acordei melhor do que nos últimos dias, estranhei tamanha tranquilidade, já estava habituado com a enxaqueca matinal, o desarranjo de estômago vazio, as dores nas articulações, a procrastinação e a completa incapacidade de pensar. Deveria ter desconfiado de tal situação, era apenas a calmaria que antecedeu a tempestade que estava por vir à minha mente.
Sentado em frente ao computador, como faço todos os dias e como fiz para escrever este texto, cantarolava baixinho uma das músicas de minha playlist “respira fundo”. Fui percebendo então, lentamente, que meu corpo estava ficando dormente, senti minha alma, energia vital, chacra, chamem como quiser, se descolar da casca que a envolvia.
Observei atentamente minhas sinapses neurais se desconectarem e meu cérebro entrar em curto circuito, meu coração automaticamente engatou a terceira marcha dentro de um corpo anestesiado, só tive tempo de pensar “FUDEU, estou morrendo”.
Apesar de refletir seriamente, muito mais do que o normal, na possibilidade de morrer, não queria que fosse desse jeito. Amaldiçoei os pensamentos negativos, tóxicos e involuntários que me assombravam todos os dias, que não me deixavam dormir em paz, me dando medo de gente, medo de sair de casa, medo de mim.
Me culpei pelo descaso comigo mesmo, por não ter percebido que já não era mais uma pessoa saudável e por rechaçar qualquer tipo de ajuda. Queria ter lutado com mais vontade, sem covardia ou medo, contra a areia movediça que me engolia aos poucos. Deveria ter fugido da escuridão obsessiva enquanto eu ainda tinha forças, antes que ela me envolvesse em sombras.
Tudo isso corria em frenesi por minha cabeça fragmentada enquanto meu corpo nu corria para a rua em busca do ar que já não havia, em busca de tempo, tempo suficiente para pedir desculpas e dizer “eu te amo” até mesmo para aqueles que já desejei todos os males. Desejei, acima de tudo, mais vida, decidi que não queria ir embora. Não me recordo por quanto tempo passei por esse episódio, mas sobrevivi. Felizmente este texto não foi psicografado. Consegui, através da ajuda que tanto relutei em receber, mais tempo, para seguir lutando contra os demônios de cada dia.
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