Ninguém me contou, eu tava lá. O jogo era duro. A Sérvia forte. O nosso time ainda nervoso pela estreia. Então a bola chega no menino. Pela primeira vez, ele tem tempo de olhar o jogo com ela nos pés. Ele e ela se dão bem, sem dúvida. Mas eles precisam fazer mais que isso: precisam atravessar o tempo e o espaço e entrar pra história. Ela pede, implora: “levante os olhos”. Ele os abaixa. Tenta um drible tolo, inútil, vaidoso. E ela se manda, magoada, com um sérvio qualquer.
Ninguém me contou, eu notei: há algo como uma nuvem espessa à altura dos olhos dos jogadores. Uma poeira psicológica que sobe do chão da batalha. Algo que nubla a visão do tempo e do espaço. Os verdadeiros craques olham um e outro por cima dessa nuvem. O menino ainda olha por baixo. Como se brincasse com a bola sob a saia da mãe.
Mas ele tem 30 anos! Tanto tempo se passou, tantas chances ele teve, tantas vezes a bola lhe fez aquele pedido – e ele não levanta os olhos!
Não, não se trata do olhar. Não só. Os olhos são só a janela de seu caráter. Lá dentro, no amplo espaço escuro que se vê por essas janelas, ele anda numa corda bamba. Duma margem à outra de seu abismo interior. Entre a vaidade e a autocrítica. Entre a meninice e a maturidade. Entre brincadeira e o heroísmo. Sim, da outra margem ele ouve a história chamá-lo; mas ela exige que ele se torne consciente, homem, herói. Então ele treme de pavor. E baixa os olhos.
Ninguém me contou, eu vi: seus olhos se encheram de lágrimas. A dor no tornozelo é talvez um motivo do choro. A dor na alma é decerto o motivo maior. Deve doer muito ver a história acenar adeus.
Mas não há nada perdido. A bola o adora. Ela o convida a olhar pra frente, a atravessar o abismo, a encarar a história. E ele pode. Ele deve. Afinal, o que resta a um menino senão se tornar homem? E o que resta a um homem senão fazer a história?
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