Eu não via novelas desde que a Globo, há quase dez anos, decidiu contar a estória de um heroizinho sem vergonha e recentemente desmascarado. Aquilo me dava nos nervos. Embora dissessem que era jornalismo, a estória era uma novelinha vagabunda que acabou em tragédia. Tinha algo de cômico, é verdade. Mas foi definitivamente trágica.
Então começou Pantanal. Eu tinha lembranças da versão original. A moça virando onça. O velho virando sucuri. O Almir Satter tocando viola e eu virando um pudim de leite. Lembranças vagas mas boas. Cogitei dar uma espiada no remake. Pensei comigo: pantanar ou não pantanar? E pantanei.
Não me arrependo. O Pantanal é lindo. A fotografia é linda. E todos aqueles peões são tão bem apessoados! Mas sobretudo o texto, a estrutura narrativa, é de arrepiar. A saga pantaneira compõe uma teogonia fundacional. É a metáfora do homem sob o céu.
Zé Leôncio é o pai, o criador, o todo-poderoso. O rei do gado. Um rei sábio e justo que governa um gado incontável cuja submissão jamais é questionada – e jamais é um problema. Seus peões, sujeitos de uma obediência fervorosa, executam perfeitamente sua função – ou sua missão. O Pantanal projeta um mundo monoteísta, sujeito inteiramente a um poder paternal que assegura a boa sorte do povo eleito.
Aí veio o Jove. O jovem que ousou contestar o velho pai. O rebelde que não come a carne do gado e se irmana com o pobre animal. Ele desloca toda a perspectiva: a ordem monocrática é abalada, o mundo não é um latifúndio. Com ele, Pantanal abre seu novo testamento.
Mas o Jove é o filho. Seu destino é reencontrar o pai: ambos têm que protagonizar uma mesma – embora talvez renovada – ordem. Quem media esse encontro é a mulher-onça. Juma é a natureza, bela e feroz, seduzindo o homem. É o espírito vital, elemento abstrato da trindade. É quem conduz o Jove à essência do Pantanal.
O fim da novela, como em toda novela, todos imaginamos. Só não sabemos o quanto a Globo vai enrolar. Após o início arrebatador, a trama perdeu fôlego (como a Bruaca tem perdido). Quanto a mim, sigo pantanando. Se bem que às vezes mudo pra Netflix: gosto dos peões do Leôncio, mas ainda prefiro o Richard Gere.
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