Todos estamos cansados de nós mesmos. Cansados dos deveres ditos necessários ao convívio social. Cansados da hipócrita instituição supostamente democrática – e definitivamente corrupta – que nos governa. Todos sofremos o mal-estar da civilização, de que Freud falava há quase um século. É compreensível, portanto, que acreditemos num líder (ou num candidato a isso) que proponha nos livrar desse mal-estar. A pergunta é: por que nós, brasileiros, elegemos exatamente ‘esse’ líder? Por que ele?
Tenho duas respostas.
Ele recodificou nosso sistema de repressões. A civilização necessariamente nos reprime. Impõe o dever de respeitar o outro, sacrificando nossos instintos egoísticos. Ele, o líder que elegemos, restringiu esse dever: as minorias devem se curvar à maioria. Ao mesmo tempo, ele resgatou velhas repressões. Propôs canalizar nossa libido no fluxo da dita normalidade. Com isso, legitimou a postura dos enrustidos que lutam contra as próprias “perversões”. O novo código moral, por ele instaurado, reflete um sujeito cansado das repressões impostas pela sociedade e cioso daquelas que ele mesmo se impôs.
A outra resposta é mais soturna. Ela significa o esgotamento de nossa última opção ética. Sem lastro em uma dada tradição cultural ou religiosa, essa opção sustentava a possibilidade de nos entendermos no plano abstrato da linguagem racional. Ele, o líder, evita essa possibilidade. Seu personagem caricato debocha desse sonho. Seu estilo rude agride quem ousa sonhá-lo. Debochado e agressivo, ele parece autêntico; por isso ele nos convence. Mas essa autenticidade é vazia. Diante daquela última opção ética, ele nada propõe. Sua verdade basta-se em parecer verdadeira. Nesta encruzilhada da história, ele é um totem bizarro a evidenciar nossa falta de rumo. No horizonte que ele nos abre, vemos apenas as ruínas de nosso tempo.
A primeira resposta indica que temos muito a evoluir; a segunda, que morreu a esperança. Mas talvez o futuro nos traga uma terceira. Talvez a democracia não tenha esgotado suas possibilidades. Talvez a civilização seja exatamente a busca pela resposta que ele, o líder (ou o candidato a isso), parece evitar.
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