"Baile" é o quinto trabalho de Dicezar Leandro com a diretora Cíntia Domit Bittar (Foto: arquivo pessoal)
Natural de Penha-SC, Dicezar Leandro é diretor de arte do curta-metragem catarinense “Baile”, que concorreu a uma vaga no Oscar 2021.
Qualificado pela academia norte-americana, “Baile”, dirigido por Cíntia Domit Bittar, é sucesso de público e crítica. Produção catarinense, o filme conquistou prêmios importantes e ganhou inesperada – ainda que merecida – visibilidade e reconhecimento. O diretor de arte, Dicezar Leandro, concedeu à ABERTURA uma entrevista em que trata não apenas do filme, mas de sua vida e sua arte – e, portanto, do cinema em geral. Confira.
Você pode se apresentar rapidamente? Se possível, falar sobre sua trajetória eespecialmente sobre sua carreira no cinema?
Só nasci em Joinville, mas fui criado em Penha e tenho fortes vínculos com a cidade até hoje. Sou da geração da era Collor, quando houve o fim da Embrafilme e um processo de desmontagem total do cinema brasileiro, que só teve uma retomada no final dos anos 90, quando eu já estava concluindo a faculdade de publicidade. Eu só fui ter uma oportunidade de carreira em cinema em 2008, quando me mudei pra São Paulo.
Comecei fazendo uma série com a Eliane Caffé pra TV Cultura, chamada “O Louco dos Viadutos”, e a partir de então busquei cada vez mais me especializar na área e realizei muitos curtas, longas e séries. Trabalhei com Brigitte Broch, diretora de arte que ganhou Oscar com o filme Moulin Rouge. Bem como tive a oportunidade de trabalhar com Luiz Fernando Carvalho num processo de concepção de dois longas metragens, o que foi pra mim um processo muito enriquecedor. Logo que engrenei no cinema tive a oportunidade de lecionar dentro de algumas escolas de cinema, como USP/ECA e Academia Internacional de Cinema. Desde então, estou dando aula dentro da área de direção de arte em cinema o que me possibilita realizar e refletir sobre as realizações e minha forma de atuação, processo criativo e metodologia.
Você foi diretor de arte do curta-metragem “Baile”, considerado o melhor curta-metragem ibero-americano no 60º Festival Internacional de Cine de Cartagena. O quetem a destacar sobre esse filme? Quais as razões de tamanho sucesso?
Todos os prêmios de melhor filme geralmente são prêmios da equipe, da produção. Significa que de uma certa maneira todas as áreas foram harmônicas. Do roteiro à direção, montagem, direção de fotografia, de arte, de som, etc., todas as áreas trabalharam bem.
O filme ter sido considerado o melhor curta em Cartagena, que é um dos festivais mais antigos da América Latina, é extremamente expressivo. Foi isso que nos qualificou para estar na competição pelo Oscar.
Isso faz com que eu enxergue “Baile” como uma grande oportunidade de realização enquanto artista, porque ele expressa muitas coisas em que eu acredito e me representa intelectual e artisticamente. Eu realmente me identifico com a produção. E o reconhecimento faz a gente ter um aumento de público, de crítica… Essa troca também amadurece a maneira como a gente enxerga o que a gente mesmo realizou.
Então, está sendo uma experiência bastante interessante.
Passar por esse processo de visibilidade com um curta-metragem, onde há uma relação com o público, com a crítica e com a mídia, traz a certeza de que realmente é gratificante realizar esse trabalho. O cinema, de uma certa maneira, só ganha expressão quando ele se relaciona com o seu público.
“Baile” foi qualificado para o Oscar. O que significa exatamente essa qualificação?
A qualificação significa que o filme esteve entre cento e quarenta e sete curta metragens Live Actions (filmes usando atores e atrizes reais) selecionados no mundo inteiro, todos eles (considerados “finalistas”) avaliados por uma rede de curadores ligada à academia norte-americana.
A gente teria que ficar na shortlist, uma lista com apenas cinco finalistas, para fazer parte da cerimônia da premiação. Essa lista já foi publicada e o nosso filme não está entre esses cinco finalistas. Nosso status dentro desse processo é de curta qualificado pela academia norte-americana. Um possível indicado ao prêmio.
Como foi o trabalho com Cíntia Domit Bittar, a diretora de “Baile”?
Esse é o quarto filme que faço com a Cíntia. Sempre é um processo muito desafiador e enriquecedor, pois ela sabe muito o que quer como diretora. Isso potencializa demais a criação no campo da direção de arte, pois a gente tem mais clareza do caminho que vamos seguir e do que é mais importante. Fazer “Baile” teve muitas superações, tanto criativas quanto de produção, e isso se reflete tanto no meu trabalho como no trabalho de cada integrante da equipe que, cada qual com suas competências, ergueu cada detalhe que compõe a obra.
O que tem a dizer sobre a “cena atual” do cinema catarinense?
O mercado [de cinema] catarinense, hoje, é um mercado pequeno, mas que tem vários núcleos de produção. O mercado publicitário também existe, mas eu acabo focando muito mais no mercado cinematográfico e de dramaturgia, e me vejo com vários parceiros. Além da Novelo Filmes, eu enxergo alguns núcleos de produção em Balneário Camboriú, Itajaí, Jaraguá do Sul, Florianópolis…
Então, eu enxergo núcleos de produção em Santa Catarina. Com alguns eu me relaciono, com alguns eu trabalho, de alguns conheço o trabalho… E espero que Santa Catarina possa ampliar sua produção desde que o mercado foi descentralizado, pois durante muito tempo no Brasil o mercado era Rio de Janeiro e São Paulo, e hoje o Brasil inteiro produz cinema em maior ou menor quantidade. Mas se a gente pegar Recife, como um contraponto, é um mercado que produz pouco, mas é bastante relevante no cinema mundial porque acaba participando de muitos festivais. Eu acho que o cinema catarinense ainda pode chegar a esse lugar também. Espero que chegue.
E sobre a situação atual do cinema no Brasil?
A gente hoje tá passando por um processo [que sucede ao período] em que o cinema vinha crescendo 8% ao ano no Brasil e tinha uma participação no PIB maior do que a indústria farmacêutica.
Existe uma taxa, o Condecine, paga por toda circulação de audiovisual no brasil. A partir dessa taxa foi criado o fundo setorial de desenvolvimento do audiovisual (FSA). A questão da Ancine hoje estar nas mãos de profissionais que não têm muita condição pra fazer essa estrutura continuar andando, e de certa maneira congelar e paralisar esses processos, além da pandemia, tem um impacto grande no mercado… Mas seguimos acreditando nas possibilidades de uma perspectiva futura, apesar de ser um futuro diferente do que estávamos galgando.
Hoje o mercado existe, ele não está mais tão promissor e inclusivo como ele era, porque ele produz menos (tanto pela pandemia quanto pelo momento político). Existe hoje também o ‘custo covid’, uma produção pode custar 20% ou 30% a mais pelo fato de ter que testar todos os profissionais que estão envolvidos entre outras questões protocolares. Isso tudo faz com que muitas produtoras não estejam realizando seus projetos.
Quais seus projetos pro futuro?
O mercado do cinema é um mercado que as pessoas têm uma ilusão de [existir] glamour porque é midiático, né? E nesse sentido é um trabalho cheio de desafios, é bastante complexo. A gente é responsável por entregar todos os cenários, o guarda-roupa de caracterização dos personagens, bem como o cabelo e maquiagem, objetos que aparecem em cena… E tem os processos de concepção visual da imagem por trás disso, que é traduzida nesses elementos.
Muitas vezes é necessário uma equipe grande. Dependendo do tamanho do filme, por exemplo, a gente tem trinta e oito cenários pra entregar, um guarda-roupa de caracterização de quinhentas roupas dentro do filme ou da série. Isso tudo faz com que você, enquanto profissional, tenha que ter conhecimento, tanto poético, estético, plástico, técnico pra administrar todas as demandas e a equipe, enquanto pessoa que está a frente do departamento de arte.
Eu, agora, me sinto um profissional muito mais qualificado pra lidar com o mercado cinematográfico do que eu era dez anos atrás. Então, eu não tenho como e nem quero fugir desse desafio de continuar fazendo cinema no Brasil.
O cinema foi uma das primeiras atividades a parar (por conta da pandemia). Muitos projetos que iria participar estão suspensos e que já teriam sido rodados. Esses projetos ainda existem e ainda serão rodados. Então existe, sim, uma perspectiva de trabalhos futuros e a gente tem que entender agora como vai ser o desfecho tanto político quanto da questão da pandemia.
Confira fotos do trabalho de Dicezar no curta “Baile”:
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