Opinião

Sérgio Santana: o Citão e o Instagrão

Sérgio Santana: o Citão e o Instagrão
Foto: UEFA/Divulgação

Recebi na última terça uma ligação do Teco:

– Serjão, hoje vai ter uma “laive” no “instagram” da Abertura. É sobre o jogo da “chempions ligue”. Você quer participar?

Tentei ser delicado na resposta:

– Teco, o que é instagrão?

Não sei o porquê, mas minha resposta o desaminou. Ainda assim, ele insistiu pra que eu acompanhasse a “laive”. Pediu que eu falasse com meu neto pra que ele criasse um “perfil” na tal rede social. E acrescentou:

– Serjão, na quarta vai ter “laive” também. Conto com você.

Eu não criei meu “perfil”. Achei o instagrão muito fotográfico; e eu não sou nem fotógrafo, nem fotogênico. Mas vi as “laives” no instagrão do meu neto. Confesso que gostei.

A de terça foi melhor. Os três membros do debate tinham, somadas, menos idade que a minha. Ainda assim o rapaz convidado se houve com distinção jornalística no trato dos temas. A moça, Bianca, era a doçura em pessoa. E aquele menino, o Gabriel, leva jeito.

Gabriel, aliás, é também colunista da Abertura. E também ancorou a “laive” de quarta, que debateu o jogo entre o PSG e o City. Com ele, outros três debatedores. Uma menina com a camisa do Flamengo, Joana, oscilando entre a timidez e o brilhantismo. Um outro colunista da Abertura, Victor, que deve escrever – assim espero – sobre alguma outra matéria que não seja futebol. E um rapaz de blusa laranja e cabelos desgrenhados que parecia apreciar em demasia o futebol do “Citão”.

Assim meu neto se refere a este time, o Manchester City de Pep Guardiola. É aí onde eu queria chegar. A menina, Joana, fez elogios sóbrios ao time. Victor, o outro colunista, exagerou um pouco mais. Mas o rapaz de blusa laranja pareceu claramente comovido com o “Citão”. Gabriel, o âncora, talvez soubesse disso de antemão. A primeira pergunta que dirigiu a este convidado – “quem é melhor, Pep ou Cruijff?” – quase o trouxe as lágrimas. As mesmas lágrimas lhe surgiram quando tratou dum tal Rodri, cabeça de área do time azul-calcinha. Mas o auge da comoção foi no momento em que ele ia falar do Gündogan, quando a sua conexão compreensivelmente caiu: ele decerto faria um elogio tão magnífico ao meia-esquerda que os “data centers” do instagrão não iriam suportar.  

O tal “Citão” me parece, sei lá, um time normal. Quando ataca, arma um 4-3-3 com dois pontas que não driblam e dois meias que não decidem. Quando se defende, um 4-5-1 básico, com o tal Rodri de centro-médio. Tem o mérito de marcar pressão boa parte do jogo. A seleção de 82 fazia isso. A de 58 também. O Ajax de Cruijff, no início dos 70, fazia isso ainda mais intensamente. Marcação pressão, convenhamos, não chega a ser novidade.

Há um detalhe que, admito, me agrada no Citão. O bloco de ataque funciona com cinco peças em harmonia geométrica. Eles formam um W: nas duas pontas de baixo, Bernardo Silva e Gündogan; nas três pontas de cima, Mahrez e Foden, com De Bruyne ao centro. Lembra muito a seleção de 50. Mas ali tinha, além de Friaça e Chico abertos nas pontas, Ademir, Jair Rosa Pinto e Zizinho. Minha Nossa Senhora da Imaculada Conceição: Zizinho!

Enfim, o Citão não é assim uma Brastemp. Gabriel, ao fim da “laive”, parece ter tido um rasgo de lucidez pra compreender isso. Depois de pedir os palpites aos debatedores, e de ouvir apostas unânimes no Citão, ele desferiu um golpe pontiagudo. “City e Chelsea na final, Chelsea campeão”, previu desde o alto duma imperturbável convicção. Era só o que faltava: o time horroroso de Londres, com oitocentos zagueiros e outros tantos volantes num ônibus estacionado em frente à área, ganhar a “chempions”!

Mas estou inclinado a concordar com o âncora das “laives” da Abertura. O palpite faz sentido. Tanto que os debatedores, a princípio arregalados, pareceram enfim alcançar a lucidez que iluminou o bom Gabriel. A “laive” acabou com um silêncio talvez perplexo, em todo caso reflexivo, dos apaixonados pelo Citão.

Hoje e amanhã haverá os jogos de volta, em Londres e Manchester. Haverá também as “laives” da Abertura. Já falei com meu neto: quero vê-las. Talvez eu faça um perfil no instagrão. Talvez ali, na rede social mais fotográfica, o futebol do citão me pareça um pouco melhor. Talvez eu ceda aos pedidos do Teco e participe de alguma “laive”. Se bem que, pensando melhor, é melhor não. Não faria sentido: eu pareceria um papai noel careca e senil em meio a jovens debochando dos presentes empoeirados que lhes daria. Meu neto, compreensivo, sugeriu fazer uma “trédi” no “tuíter”.

– “Tuíter”? Hum, parece legal – respondi.

Vocês já ouviram falar nisso?

Serjão Santana

Serjão Santana jogou futebol amador em Itajaí. Fã dos irmãos Rodrigues, abraçou a crônica esportiva. É marcilista e botafoguense.

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