(A quem lhe fosse apresentado nos fins da década de 1990, ele diria: “Meu nome é Leonardo Camargo, sou jaraguaense, flamenguista e faço medicina na UFSC”. Na verdade ele não dizia sempre isso. Soaria um pouco esquisito. Mas é como se dissesse: quem o conhecesse caminhando pelas noites da Trindade, logo notaria esses seus três traços básicos: a vocação de médico, o flamenguismo e a jaraguaência (com o perdão dos neologismos).
Mais de duas décadas depois, esses dois últimos traços pareciam ter se apagado do perfil do Dr. Leonardo. Radicado há muitos anos em Bento Gonçalves-RS, onde cumpre uma carreira de estrondoso sucesso (confira a ‘live’ do dia 07/06/2021, no instagram da Abertura), ele agia como se tivesse se esquecido de suas raízes. Mais exatamente, de suas raízes jaraguaenses e flamenguistas. O ‘terroir’ dos espumantes da serra gaúcha parecia ter apagado o gosto itapocuense dos chopes da juventude. A rivalidade grenal, combinada com o longo período de vacas magras do Flamengo, parecia ter arrefecido a chama rubro-negra.
Ledo engano. No último novembro Leonardo redescobriu-se. Numa viagem ao Uruguai com velhos amigos jaraguaenses, ele escavou suas camadas mais profundas e achou ali, no cerne mais autêntico de si mesmo, o velho Léo da mocidade: jaraguaense da gema e definitivamente rubro-negro. “Uma vez Flamengo”, ele compreendeu no instante mais epifânico da viagem, “sempre Flamengo”.
Temos a honra de publicar o relato, escrito pelo próprio Leonardo, dessa marcante experiência. Ilustrada por fotografias originalíssimas, é uma ótima história – até porque é um registro pessoal da História, com H maiúsculo. Mas é também uma lição: o amor por nossa terra e nosso time marcam nossa essência mais profunda – e sempre, sempre pode aflorar.)
Esta viagem já estava no meu radar há mais de 60 dias, antes mesmo da confirmação da vaga na final no já longuínquo 29/09, quando vencemos pela segunda vez o Barcelona de Guaiaquil – Equador. Naquele mês de setembro a torcida (ou a maioria) estava “renatizada”. E confesso: inclusive eu. Mas após um começo avassalador, a sequência de maus jogos e as lesões de jogadores importantes foram deixando cada vez mais à mostra os problemas táticos e técnicos. A torcida foi sentindo a confiança da equipe, e na equipe, ruir. A derrota na semifinal da Copa do Brasil para o Athletico Paranaense por acachapantes 0x3, em pleno Maracanã, foi o auge da crise: xingamentos e vaias ao treinador e cânticos ao “nosso senhor” Jesus – olê, olê, olê, mister, mister…
Mesmo assim, quando começou a venda de ingresso, não hesitei em comprar. Eu já estava em contato com alguns amigos de minha cidade natal, Jaraguá do Sul; e um deles tinha me dito: “o mais importante é o ingresso”. Com o ticket na mão, começou de fato o planejamento para a viagem junto com os tais amigos, que trago de longa data, e 2 cariocas recém apresentados. Montamos um grupo no whatsapp (“Final da Libertadores – 2021”), acertamos todos os detalhes e partimos enfim, 8 pessoas em 2 carros, para a jornada que nos levaria ao tricampeonato.
Tudo o que planejamos deu certo sem intercorrências maiores. Cruzamos a fronteira na madrugada do dia 25/11. O plano era passar antes das caravanas de ônibus das torcidas (organizadas e excursões). Optamos por uma estadia num balneário a 80km do estádio, devido às poucas opções na capital.
Havia notícias de que estava ocorrendo uma verdadeira invasão rubro-negra. As imagens que chegavam de Punta del Este e Montevideo mostravam que um grande número de flamenguistas tinha cruzado a fronteira. E isto se confirmou no estádio. Ouso dizer que estávamos na proporção de 70/30.
Estas 48h de concentração no balneário Solís foram para mim um reencontro com o rubro-negrismo. Moro há 14 anos no Rio Grande do Sul, estado apaixonado pela dupla grenal mais que pelo futebol propriamente dito. Naturalmente a distância me impede acompanhar jogos junto com companheiros de torcida. Além disso, passamos muitas temporadas com um desempenho muito aquém do esperado. Esses fatores contribuíram para um relativo distanciamento do Flamengo.
O sentimento reviveu no ano mágico e inesquecível de 2019, naqueles meses em que estivemos comandados pelo “senhor Jesus”, aquela “raposa velha” do futebol português, conhecido na terrinha como “mestre das táticas”. Mas foi nesse período de 48 horas em Solís, em que reencontrei amigos de infância no mesmo sentimento de torcer pelo Flamengo, que de fato reacendeu a velha chama rubro-negra. Todos estávamos confiantes e essa confiança foi nutrida nas conversas, nas lembranças de histórias de amigos em comum e sobretudo nas vastas risadas sempre acompanhadas de uma boa cerveja uruguaia.
De todos os reencontros que a viagem me proporcionou, aquele com meu velho rubro-negrismo foi o que mais me marcou. De certa forma, eu já havia reencontrado minhas raízes flamengas após a chegada de Jesus e especialmente em razão do amor (e do ardor) que minha filha, Joana, devota ao time. Mas foi esta viagem, com velhos amigos de minha terra, o que de fato selou o reencontro.
Com esse sentimento, na manhã do dia 27/11, fomos a Montevideo. Nosso destino foi o estádio Centenário, palco de tantos jogos decisivos, onde há 40 anos conquistamos nossa primeira Libertadores com Zico liderando a mítica geração de 81, que tanto viveu no nosso imaginário. A história da final da última Libertadores já foi contada e recontada. A derrota, atribuída a uma falha de um bom jogador (assim considero) que não vinha jogando mal (idem), deve-se na verdade a causas mais profundas. Deve-se à série de erros e escolhas das pessoas que comandam o clube.
A derrota me trouxe a realidade de ser rubro-negro. Obviamente saí triste do jogo, mas me reconfortei com a resiliência de meus amigos. Perder é do jogo. Não venceremos sempre, mesmo se tivermos o melhor time. O importante é levantar a cabeça, seguir na torcida, jamais desistir. Eis a essência de nossa torcida: mesmo após as mais duras derrotas, mantemos o bom humor tipicamente rubro-negro. Sempre cheios da confiança de que o melhor está por vir. Nosso grupo de whatsapp até já mudou de título: “final da libertadores – 2022”. Guaiaquil que nos aguarde.
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