Na última semana a Economist publicou um artigo interessante sobre o que se tem chamado de investimentos sustentáveis (“sustainable investing”). A revista cita dois casos. O primeiro: Emmanuel Faber, CEO da francesa Danone e um reconhecido entusiasta do “stakeholder capitalism” e da sustentabilidade, foi afastado (minha tradução eufemística para “fired”) pelo Conselho da empresa. O segundo caso: neste mês, um anterior diretor de sustentabilidade na Black Rock descreveu o investimento em “ESG” (sigla em inglês para “ambiental, social e gorvernança”) como “pouco mais do que marketing da moda, relações públicas tendenciosas (‘RP spins’) e promessas falsas”. A conclusão é a seguinte: “os investimentos sustentáveis estão da linha de tiro”.
A conclusão me parece duvidosa. A revista pretende alcançá-la, por indução, a partir de casos isolados e dados insuficientes. Principalmente, a questão não está bem posta: o tema é bem mais amplo do que sugere a reportagem. Investimentos sustentáveis concernem a um modelo de governança empresarial que não pode ser reduzido a um modismo. Esse modelo leva em conta a função social da empresa – ou, se quisermos evitar expressões gastas, a efetiva dimensão da empresa diante de todos os interesses que ela afeta. É precisamente esta dimensão que explica – e impõe – os investimentos sustentáveis.
As empresas, especialmente aquelas de maior porte e de mais complexa estrutura, são alvos de preocupações gerais. Elas não interessam apenas aos sócios. Entre shareholders e stakeholders, segundo a clássica distinção norte-americana, muitos são afetados por sua existência. Justamente por isso a lei “enquadra” o ente empresarial: restringe o espaço de livre atuação daqueles que respondem por tais empresas, atribuindo a eles toda uma carga de deveres.
A lei, por exemplo, protege o patrimônio da empresa e busca assegurar uma certa estabilidade patrimonial: restringe a disposição de bens do ativo, impõe a formação de reservas e prioriza a recomposição de prejuízos acumulados em exercícios anteriores. A lei também atribui aos adminsitradores deveres de informação: realização periódica de escrituração, demonstrações de resultados e balanços patrimoniais, entre outros. De resto, há uma série de outras imposições que, tanto quanto as citadas, restringem a liberdade de quem exerça a governança da empresa: regras ambientais, trabalhistas, normativas de órgãos reguladores, compliance, etc. Tudo isso porque a lei reconhece os relevantes interesses que orbitam em torno da empresa – e se dispõe a protegê-los.
Os investimentos sustentáveis não são bondades de empresários abnegados – não, ao menos, na maioria dos casos. Claro, eles podem estar ligados a uma estratégia que busca, por assim dizer, formar a imagem da empresa junto ao público; mas estes são apenas uma pequena parte desses investimentos. A maior parte deles decorre das condições que os sistemas jurídicos, em cada país, impõem à atuação das empresas. Sustentabilidade, aqui, não significa apenas boa conduta em matéria ambiental: significa compromisso social. Esse ‘compromisso’, com todos os deveres que impõe, determina a ‘governança responsável’ que se exige a quem comanda a empresa. Com isto, a lei busca segurança – para shareholders e stakeholders, para o mercado, para todos.
A questão, portanto, não está em saber se os investidores são entusiastas desse compromisso social: não se trata de uma alternativa à disposição de investidores propensos a agradar a Gretha Thunberg. A questão é saber até onde as imposições legais devem ir. Pois ninguém duvidará desta premissa básica: para exercer bem seu papel social, uma empresa deve ser saudável; suas obrigações não podem chegar ao ponto de asfixiá-la.
Quando se fala de investimentos sustentáveis, trata-se da empresa exercendo a função social. Em última análise, trata-se da lei – que reconhece tal função e prevê deveres em razão disso. Pode haver excessos ao prevê-los. Podem algumas imposições legislativas não se justificar. E pode a lei, ao tentar impor a boa gestão, impedir a ótima.
Essa é a questão. Em direito empresarial, é sempre a mesma: o complexo equilíbrio entre compromisso e liberdade.
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